Escândalo em Niteroi
O inusitado ocorre como a queda de um bloco de concreto entre transeuntes num passeio: abruptamente, sem nenhum aviso ou sinal prévio. Foi o que aconteceu na inauguração do AMAR – AQUÁRIO MARINHO, na cidade de Niterói, Rio de Janeiro.
Estavam presentes representantes de todas as classes sociais, mas eram os políticos e empresários donos do empreendimento, juntamente com os seus parentes, conhecidos e apadrinhados, que ficaram numa posição privilegiada, no salão subterrâneo, perto da principal atração: a dupla de golfinhos machos que foram adquiridos dos Estados Unidos. Os animais foram batizados de Banana e Bexiga, por se assemelharem à fruta e ao balão cilíndrico usado como adorno em festas infantis. O resto da plateia observava bem atrás, espremida atrás de um cordão de isolamento formado por faixas nos pisos, fitas e policiais; ou do lado de fora, numa arquibancada da qual se via a superfície da água, de onde esporadicamente os animais saltavam em rodopios festivos. Havia também uma grande massa de gente apinhada no estacionamento assistindo pelo telão.
A parede de vidro que separava os golfinhos dos espectadores VIP era extremamente segura, com trinta centímetros de comprimento, feita com um material que suportava toneladas de pressão. Mesmo assim era tão límpida que causava a sensação de um grande bloco de água suspenso no ar, como um milagre, como Moisés fez com o Mar Vermelho, só que era de um azul claro brilhante como neon.
As famílias se deslumbravam com os dois golfinhos que pareciam se sentir artistas: interagiam fazendo círculos concêntricos, como elétrons ao redor do núcleo; subiam como um míssil em direção vertical, fazendo acrobacias fantásticas fora d’água e caiam num esplendor de bolhas; nadando serelepes com um sorriso na cabeça convexa.
E então o inusitado aconteceu: os dois golfinhos começaram a se engalfinhar, numa dança suspeita: o que seria a abertura da boca de um tocava com carinhosos esbarrões no que seria o orifício do outro, aquele orifício que fica na parte de baixo do mamífero marinho, entre o centro e a cauda. Depois desse revezamento orifício-boca, os golfinhos nadavam lado a lado, a pele lisa e metálica se tocando na suavidade do gesto como dois submarinos, até que um deles se pôs de barriga para cima, a barbatana superior em direção ao fundo e os dois orifícios se encontraram. Por associação, os presentes começaram a imaginar o que seria o orifício; pior, começaram a imaginar o que seria a boca tocando no orifício; pior ainda, os dois orifícios se tocando...
Os sorrisos de alegria desfizeram-se em fisionomia atônita. As frases e interjeições “que gracinha”, “olha lá”, “meu deus, não são lindos” foram terminando na metade de uma palavra e o silêncio estupefato se instaurou. Quem o quebrou foi um oceanógrafo meio hippie com óculos rosa: “Que maravilha! Eles estão transando!”. A sensação foi como se o cientista tivesse quebrado o vidro que continha o pequeno oceano, o aquário se rompesse e uma inundação arrastasse as pessoas. Pés aflitos deram alguns passos para trás como um grupo de soldados ao comando do capitão. A esposa do senador do partido conservador deixou escapulir um comentário, uma ordem e uma pergunta retórica: “que horror, cale essa boca suja! Não sabe que os dois são machos?” Ao que o professor da Universidade Federal Fluminense respondeu “sim, sim, mas golfinhos machos também praticam sexo entre eles”. O repórter que cobria o evento espertamente aproveitou o furo que fora maior do que qualquer possível furo na espessa parede de vidro. “Filme os golfinhos e as fisionomias dos presentes”, disse ao câmera man. A ausência pasmada de som fez com que a observação do oceanógrafo parecesse ser dita por um megafone “SIM, SIM, GOLFINHOS MACHOS TAMBÉM PRATICAM SEXO ENTRE ELES”. O alvoroço foi geral: mães tapavam os olhos dos filhos que eram retirados às pressas do recinto, varias cabeças meneavam de um lado para o outro com um olhar inquisidor sobre os golfinhos, os empresários dono do negócio tentavam acalmar as pessoas sem sucesso “não é nada disso, não é nada disso, eles só estão brincando...” até que seguranças tiraram à força o oceanógrafo, que posteriormente foi acionado por perdas e danos ao empreendimento.
A imprensa noticiou o que propiciava mais audiência, fazendo um close nos orifícios que se tangenciaram, levando famosos a programas de auditório para discutirem se houve ou não uma relação íntima entre Banana e Bexiga. Apresentadores de jornal e especialistas especulavam se a cena poderia ou não causar um trauma nas crianças e repetiam nauseantemente a imagem do grupo saindo em protesto do grande saguão do aquário dos golfinhos... houve até um pastor que afirmou, na sua pregação televisa, que “os dois peixes marinhos estavam possuídos por demônios com o objetivo de contaminar a população com o pecado da pederastia” não percebendo a gafe ao chamar os mamíferos de peixes.
O oceanógrafo acabou se tornado o grande vilão, como se tivesse adestrado os golfinhos a praticar aquela cena pornográfica na frente de todos (a palavra parece confirmar uma realidade, antes vista apenas como temível suposição). Como os antigos arautos do mal eram mortos ao anunciar uma tragédia ao rei, o oceanógrafo virou um bode expiatório e, por pouco, não teve seu diploma cassado, mesmo recorrendo a observações científicas, comprovadas empiricamente, demonstrando que alguns animais praticam relações homossexuais tais como os cetáceos (golfinhos), os leões, os macacos bonobos e aqueles que, inclusive, chegam a formar um par até o final da vida, como ocorre com alguns cines negros.
O caso de Banana e Bexiga foi parar na Justiça Federal. Os meritíssimos, não suportando a pressão popular, resolveram deportar os golfinhos, os quais só não saíram algemados do país pela ausência anatômica de mãos. Os mamíferos fálicos na forma e no comportamento continuaram sua vida golfínica de ser, naquela alegria incontida que reverbera em saltos e acrobacias, naquela cara cujos olhos e boca lembram um sorriso constante, naqueles sons agudos vibrantes, um gemido deliciosamente selvagem, pequenas interjeições de prazer.
Os empresários donos do AMAR mudaram o nome fantasia da empresa para SUA PRAIA e transformaram o aquário num parque aquático com praias artificiais, onde as pessoas escorregavam pelos toboáguas e se afundavam nas piscinas térmicas com ondas mecânicas. Mais ao fundo, perto da mata, ainda poderiam se ver animais aquáticos num pequeno lago; eram carpas, muito encontradas nas tatuagens dos braços musculosos de alguns homens que iam se divertir, exibindo-se em saltos olímpicos, como os golfinhos...
Estavam presentes representantes de todas as classes sociais, mas eram os políticos e empresários donos do empreendimento, juntamente com os seus parentes, conhecidos e apadrinhados, que ficaram numa posição privilegiada, no salão subterrâneo, perto da principal atração: a dupla de golfinhos machos que foram adquiridos dos Estados Unidos. Os animais foram batizados de Banana e Bexiga, por se assemelharem à fruta e ao balão cilíndrico usado como adorno em festas infantis. O resto da plateia observava bem atrás, espremida atrás de um cordão de isolamento formado por faixas nos pisos, fitas e policiais; ou do lado de fora, numa arquibancada da qual se via a superfície da água, de onde esporadicamente os animais saltavam em rodopios festivos. Havia também uma grande massa de gente apinhada no estacionamento assistindo pelo telão.
A parede de vidro que separava os golfinhos dos espectadores VIP era extremamente segura, com trinta centímetros de comprimento, feita com um material que suportava toneladas de pressão. Mesmo assim era tão límpida que causava a sensação de um grande bloco de água suspenso no ar, como um milagre, como Moisés fez com o Mar Vermelho, só que era de um azul claro brilhante como neon.
As famílias se deslumbravam com os dois golfinhos que pareciam se sentir artistas: interagiam fazendo círculos concêntricos, como elétrons ao redor do núcleo; subiam como um míssil em direção vertical, fazendo acrobacias fantásticas fora d’água e caiam num esplendor de bolhas; nadando serelepes com um sorriso na cabeça convexa.
E então o inusitado aconteceu: os dois golfinhos começaram a se engalfinhar, numa dança suspeita: o que seria a abertura da boca de um tocava com carinhosos esbarrões no que seria o orifício do outro, aquele orifício que fica na parte de baixo do mamífero marinho, entre o centro e a cauda. Depois desse revezamento orifício-boca, os golfinhos nadavam lado a lado, a pele lisa e metálica se tocando na suavidade do gesto como dois submarinos, até que um deles se pôs de barriga para cima, a barbatana superior em direção ao fundo e os dois orifícios se encontraram. Por associação, os presentes começaram a imaginar o que seria o orifício; pior, começaram a imaginar o que seria a boca tocando no orifício; pior ainda, os dois orifícios se tocando...
Os sorrisos de alegria desfizeram-se em fisionomia atônita. As frases e interjeições “que gracinha”, “olha lá”, “meu deus, não são lindos” foram terminando na metade de uma palavra e o silêncio estupefato se instaurou. Quem o quebrou foi um oceanógrafo meio hippie com óculos rosa: “Que maravilha! Eles estão transando!”. A sensação foi como se o cientista tivesse quebrado o vidro que continha o pequeno oceano, o aquário se rompesse e uma inundação arrastasse as pessoas. Pés aflitos deram alguns passos para trás como um grupo de soldados ao comando do capitão. A esposa do senador do partido conservador deixou escapulir um comentário, uma ordem e uma pergunta retórica: “que horror, cale essa boca suja! Não sabe que os dois são machos?” Ao que o professor da Universidade Federal Fluminense respondeu “sim, sim, mas golfinhos machos também praticam sexo entre eles”. O repórter que cobria o evento espertamente aproveitou o furo que fora maior do que qualquer possível furo na espessa parede de vidro. “Filme os golfinhos e as fisionomias dos presentes”, disse ao câmera man. A ausência pasmada de som fez com que a observação do oceanógrafo parecesse ser dita por um megafone “SIM, SIM, GOLFINHOS MACHOS TAMBÉM PRATICAM SEXO ENTRE ELES”. O alvoroço foi geral: mães tapavam os olhos dos filhos que eram retirados às pressas do recinto, varias cabeças meneavam de um lado para o outro com um olhar inquisidor sobre os golfinhos, os empresários dono do negócio tentavam acalmar as pessoas sem sucesso “não é nada disso, não é nada disso, eles só estão brincando...” até que seguranças tiraram à força o oceanógrafo, que posteriormente foi acionado por perdas e danos ao empreendimento.
A imprensa noticiou o que propiciava mais audiência, fazendo um close nos orifícios que se tangenciaram, levando famosos a programas de auditório para discutirem se houve ou não uma relação íntima entre Banana e Bexiga. Apresentadores de jornal e especialistas especulavam se a cena poderia ou não causar um trauma nas crianças e repetiam nauseantemente a imagem do grupo saindo em protesto do grande saguão do aquário dos golfinhos... houve até um pastor que afirmou, na sua pregação televisa, que “os dois peixes marinhos estavam possuídos por demônios com o objetivo de contaminar a população com o pecado da pederastia” não percebendo a gafe ao chamar os mamíferos de peixes.
O oceanógrafo acabou se tornado o grande vilão, como se tivesse adestrado os golfinhos a praticar aquela cena pornográfica na frente de todos (a palavra parece confirmar uma realidade, antes vista apenas como temível suposição). Como os antigos arautos do mal eram mortos ao anunciar uma tragédia ao rei, o oceanógrafo virou um bode expiatório e, por pouco, não teve seu diploma cassado, mesmo recorrendo a observações científicas, comprovadas empiricamente, demonstrando que alguns animais praticam relações homossexuais tais como os cetáceos (golfinhos), os leões, os macacos bonobos e aqueles que, inclusive, chegam a formar um par até o final da vida, como ocorre com alguns cines negros.
O caso de Banana e Bexiga foi parar na Justiça Federal. Os meritíssimos, não suportando a pressão popular, resolveram deportar os golfinhos, os quais só não saíram algemados do país pela ausência anatômica de mãos. Os mamíferos fálicos na forma e no comportamento continuaram sua vida golfínica de ser, naquela alegria incontida que reverbera em saltos e acrobacias, naquela cara cujos olhos e boca lembram um sorriso constante, naqueles sons agudos vibrantes, um gemido deliciosamente selvagem, pequenas interjeições de prazer.
Os empresários donos do AMAR mudaram o nome fantasia da empresa para SUA PRAIA e transformaram o aquário num parque aquático com praias artificiais, onde as pessoas escorregavam pelos toboáguas e se afundavam nas piscinas térmicas com ondas mecânicas. Mais ao fundo, perto da mata, ainda poderiam se ver animais aquáticos num pequeno lago; eram carpas, muito encontradas nas tatuagens dos braços musculosos de alguns homens que iam se divertir, exibindo-se em saltos olímpicos, como os golfinhos...