A ENXURRADA

O lugar era belo e salutar. Ela vivia ali e não trocava de jeito nenhum a paisagem agreste vista da simplicidade do penhasco, pelo mais rico jardim.

Sua beleza era embriagante. Quem passava pelo rio, não podia deixar de vê-la e perturbar-se com a sua formosura.

Ela ficava lisonjeada com os galanteios e fingia não ouvir, mas saudava a todos com um leve aceno.

Cada dia estava mais bonita, vaidosa, estava sempre a cuidar-se. Aspirava fundo a serenidade do lugar e a pureza do ar bucólico lhe fazia muito bem.

Um dia a chuva forte chegou e desceu o morro arrastando tudo, tornou o murmurante rio em correnteza caudal e escura.

Arrancou do penhasco a beleza serena e a levou consigo. Tonta de terror suplicou para não ir.

Queria ficar no barranco, mas a enxurrada urrando sem lhe dar ouvidos, continuou arrastá-la sem piedade.

Teve saudades do fresco rocio das madrugadas, do infinito pontilhado de estrelas. Pranteou, gemeu e lívida de medo, disse adeus à paisagem que a viu nascer e à passarinhada do alvorecer.

Num derradeiro esforço, tentou por todos os meios e inutilmente agarrar-se às margens, às pedras...

Quando o temporal passou e o rio voltou a ficar límpido e murmurante, a paisagem estava triste. Já não se avistava no alto do penhasco a formosura da solitária flor.

Foi encontrada depois da curva do rio, desfolhada e inerte com as pálidas raízes à mostra.

Estava morta pela violência da enxurrada.

Zulema Costa Mello
Enviado por Zulema Costa Mello em 19/06/2014
Código do texto: T4850852
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