A ENXURRADA
O lugar era belo e salutar. Ela vivia ali e não trocava de jeito nenhum a paisagem agreste vista da simplicidade do penhasco, pelo mais rico jardim.
Sua beleza era embriagante. Quem passava pelo rio, não podia deixar de vê-la e perturbar-se com a sua formosura.
Ela ficava lisonjeada com os galanteios e fingia não ouvir, mas saudava a todos com um leve aceno.
Cada dia estava mais bonita, vaidosa, estava sempre a cuidar-se. Aspirava fundo a serenidade do lugar e a pureza do ar bucólico lhe fazia muito bem.
Um dia a chuva forte chegou e desceu o morro arrastando tudo, tornou o murmurante rio em correnteza caudal e escura.
Arrancou do penhasco a beleza serena e a levou consigo. Tonta de terror suplicou para não ir.
Queria ficar no barranco, mas a enxurrada urrando sem lhe dar ouvidos, continuou arrastá-la sem piedade.
Teve saudades do fresco rocio das madrugadas, do infinito pontilhado de estrelas. Pranteou, gemeu e lívida de medo, disse adeus à paisagem que a viu nascer e à passarinhada do alvorecer.
Num derradeiro esforço, tentou por todos os meios e inutilmente agarrar-se às margens, às pedras...
Quando o temporal passou e o rio voltou a ficar límpido e murmurante, a paisagem estava triste. Já não se avistava no alto do penhasco a formosura da solitária flor.
Foi encontrada depois da curva do rio, desfolhada e inerte com as pálidas raízes à mostra.
Estava morta pela violência da enxurrada.