A MISTERIOSA MULHER DE NEGRO

Sexta-feira, em uma tarde qualquer, em Curitiba.

O jovem Amadeu, despeitado, soubera que sua noiva fugira com um marinheiro argentino. Faltavam dois meses para o casamento. O suado apartamento estava todinho mobiliado. “Uma gracinha!” — Segundo sua querida mãe.

Ele estava inconformado com o ocorrido. Por terra, um invejável romance de três anos.

Após o expediente bancário, Amadeu e mais dois colegas foram àquela choparia, no centro da cidade, chorar as mágoas.

Bons amigos e bons ouvidos. Após duas horas de muitos chopes, estavam todos cada vez mais solidários à dor de Amadeu.

As lamentações não cessavam.

— Não podia ser um inglês ou um africano? Tinha de ser logo argentino? Imperdoável, pessoal, imperdoável!... Pssiu!... Garçom, mais um chope. Com colarinho, ok? E bem gelado! Depois passa a régua na dolorosa — ordena Amadeu, enquanto, chorando, rasgava as passagens para Aruba. “Adeus minha tão sonhada lua-de-mel!”

Já tinham se abraçado e se beijado várias vezes para se despedir, quando Amadeu, com lágrimas nos olhos, sugere a ingestão da famosa saideira em outro boteco.

— Já que vocês não permitiram que eu pagasse esta rodada, vamos tomar a saideira por minha conta, ok?

Assim, deram continuidade a mais um capítulo da sessão frustração.

Próximo à Carlos Cavalcanti, em uma boate recém-inaugurada, Amadeu e seus dois amigos bancários entram. Dinheiro não era problema. Haviam recebido o salário hoje à tarde.

Enquanto pagavam o ingresso, viram a foto da stripper da noite. Era uma loira lindíssima. Assim, Amadeu e seus amigos, estrategicamente, escolheram uma mesa de pista. Ainda era cedo. Havia somente três ou quatro mulheres batendo papo em torno do balcão do bar.

Como toda noite existem centenas de cornos vagando pelos inferninhos da vida, os sábios proprietários dessas casas sabem de cor e salteado o menu musical. Quanto mais dor de cotovelo e mais brega for a música, maior é o rosário de solicitação de bis e dos pedidos de “traz mais uma!”.

Nossos heróis, ao ouvirem “Garçom”, de Reginaldo Rossi, optaram por bebidas mais “quentes”; solicitaram destiladas. Amadeu era a própria expressão da dor.

A cada dez minutos de meditação, superinconsolado, ele exclamava:

— Porra!... não é que o garufa é argentino?... Que mierda!

— Amadeu tem razão, gringo platino é demais! Garção, traz mais três uísques!... Duplos!... Tá legal? — solicita um dos fiéis amigos.

Pontualmente, às 23 horas, adentra ao recinto uma mulher alta, de cabelos negros que harmoniosamente desciam à altura da cintura. O andar lembrava Gisele Bündchen na passarela, sem nenhuma pressa. Amadeu, que já estava com os faróis baixos, arregalou os olhos e exclamou:

— Pelos deuses... Saco, digo: Baco, que estou vendo? Belisca meu braço, belisca!

— Uauuuuu! Que mulheraça! Repetiram em coro os solidários amigos.

A mulher vestia um vestido negro, com um abençoado decote que deixava quase à mostra dois empinadíssimos seios, que seriam motivo de orgulho de qualquer Pitanguy da vida.

As torneadas pernas envoltas em meias negras, sobre um fino sapato salto alto, eram a marca registrada de uma mulher graciosa e elegante. Havia uma abertura na lateral direita do vestido que, ao andar, metade da bela coxa era vislumbrada.

O garçom ao observar os imóveis amigos de olho na bela fêmea, levou a eles guardanapos de papel. Todos babavam em profusão.

Amadeu sabia ser o favorito daquele páreo, até porque tinha ganhado um demorado olhar da misteriosa mulher, que, ao atravessar a pista, sentou-se defronte a eles.

Lembram daquela cruzadinha de pernas da Sharon Stone, sem calcinha, naquele filme, cujo nome não me lembro?... Sacaram? Pois bem, a da nossa deusa dessa noite, mesmo na penumbra, deu para ver que vestia uma calcinha negra.

O excitado Amadeu, célere, entornou o copo de uísque. Ato contínuo, levantou-se e, fechando um dos olhos, mirou direitinho onde estava a mulher. Decidido, deu o primeiro passo, com aquele andar típico de quem está provando que só tomou a metade do Amazonas. Encaminhou-se para a doce empreitada, tentando não se desviar da reta preestabelecida. Teve um leve desvio de rota de mais ou menos trinta graus à direita, mas acabou chegando ao delicioso destino são e salvo.

Junto ao monumento, tímida e desajeitadamente, perguntou se ela dançava.

Ela sorriu com o embaraço de Amadeu. Quando levantou, ele, trêmulo, observou que ela deveria ser uns dez centímetros mais alta.

— Nossa, como você é alta! — após ter dito isso, sentiu-se um babaca. Teve vontade de sumir. Ela, desinibida, facilitou o diálogo.

— Que talll? Como te lhamas? — perguntou a elegante e segura mulher.

— Não é possível! Você é argentina?

— Si! De Buenos Aires. Non te gusta las argentinas?

— Si.... Si... Mucho! — responde, com cínico sorriso. Providencial aquele encontro. Ali

estava a oportunidade de ele se vingar de todos “los putos portenhos de la vida”.

Dançaram todas, beberam todas e se beijaram a noite toda. Quando ela já havia topado ir ao motel, aconteceu o inusitado. Ele, já se sentindo íntimo, inventou de apalpar a “zona fronteiriça” da mulher. Foi aí que as notas do tango desafinaram e o pau quebrou geral. A bela mulher de negro era, na realidade, um charmoso “traveco”. E, pior, argentino e superbom de porrada.

Segunda-feira, 25 de dezembro de 2006/20:12:04.

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 12/05/2007
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