O HOMEM DA PRAÇA

Existem coisas na vida que nos intriga a ponto de deixar-nos inquietos por uma resposta. Isso já aconteceu com você? Comigo sim, algumas vezes. Porém, há uma em especial em que me recordo com muita nitidez.

Todos os dias sempre no mesmo horário, eu saia para o trabalho e, por morar um pouco próximo do local de trabalho, costumava ir a pé, fazendo um pouco de caminhada, afinal, faz bem para a saúde. Próximo da minha casa tinha uma praça e, todos os dias ao passar por ela, ele sempre estava lá, sentado no mesmo banco, com sandálias havaianas velhinhas nos pés, porém, com cores diferentes o par, uma amarela e a outra preta. Uma camisa cinza escuro já bem surrada e suja e uma bermuda de xadrez em cores branco e azul. Os cabelos a muito tempo sem cortar e pentear, transbordava para fora do boné, a barba também não era feita há bastante tempo.

Aproximadamente uns 100 metros de distância, eu logo percebia a presença dele ali, sentado no banco daquela praça. Eu também conseguia perceber que ele me notava vindo, no entanto, disfarçava fingindo não me ver, eu achava curioso e ao mesmo tempo estranho a atitude dele, parecia que queria se divertir as minhas custas. Mas tudo bem, deve ser louco, ou tem algum distúrbio mental, pensava eu, mas na verdade, não era o que parecia, demonstrava ser bastante são e lúcido.

- Ei, você é feliz? Perguntava ele todos os dias quando eu passava em frente aquela praça.

- Acho que sim. Eu respondia sem parar de andar para evitar que ele se aproximasse para conversar.

Isso se repetiu por muito tempo, dia após dias, com exceção apenas das minhas folgas, já que eu evitava passar por ali, não sei bem o porquê, mas evitava. Só que um belo dia, eu estava de folga e resolvi ir naquela praça no mesmo horário que costumava sair para o trabalho. Era uma Terça feira, dia bonito e sem previsão de chuva, pois se estivesse chovendo eu não iria é claro. O ritual se repetiu, pois de longe eu o avistei e também percebi que ele tinha me notado chegando, caminhei bem devagar, só para ver a atitude dele, quando ia passando por ele e esperando a mesma pergunta como de costume, o indivíduo disse:

- Ei, o que fazes aqui? Hoje não é tua folga?

Aquilo me intrigou ainda mais. Então, voltei e sentei ao lado dele, que ficou me olhando por alguns segundos e logo fez a pergunta de sempre:

- Você é feliz?

- Talvez, eu acho. Respondi olhando bem nos olhos dele.

- E você é feliz? Perguntei ao indivíduo provocando-o.

Ele ficou me olhando por algum tempo, depois mudou um pouco sua feição e respondeu:

- Eu aprendi a ser.

Fiquei mudo por um instante meditando na resposta do indivíduo e logo o interroguei novamente:

- Por que você sempre me pergunta se sou feliz, quando eu passo por aqui? Pareço infeliz?

Ele ficou um pouco incomodado com minha pergunta, talvez achando que eu estivesse zangado, mas logo respondeu:

- Talvez. Pois se não for feliz, precisa aprender a ser.

- E como foi que você aprendeu a ser feliz? Perguntei.

- Com as perdas. As circunstâncias tirou a minha felicidade por um tempo, ao tirar a vida das pessoas que eu mais amava, no entanto, poupou a minha para que eu pudesse valorizar a ausência, lembrar e sentir saudade delas.

Naquele momento, comecei a perceber que poderia aprender alguma coisa importante, alguma lição de vida com aquele homem maltrapilho por fora, mas parecia que por dentro seu intelecto brilhava.

- O senhor se importa em falar de suas perdas? Há algum incômodo nisso? Gostaria de ouvi-las, se for possível é claro. Falei para ele.

- Claro que não é incômodo, posso falar sim, não há problema nisso. Respondeu ele – Apesar de não ser uma pessoa muito letrada, ainda assim, eu tinha um bom emprego em uma multinacional, uma boa casa para morar e um bom carro. Era tudo que eu havia sonhado desde a adolescência. Tinha uma linda e ótima esposa e dois filhos, um casal; a menina era a mais velha e tinha seis anos, já o menino tinha dois anos. - Um certo dia, ao voltarmos de um aniversário na casa de um amigo na cidade vizinha a cerca de 40 km, fomos atingidos por um outro veículo em alta velocidade que vinha na contra mão, sendo guiado por um motorista totalmente embriagado. O lado atingido foi o da minha esposa, que não teve chance, nem ela nem as crianças, morreram no local. Eu sofri alguns ferimentos, mais após uma semana hospitalizado, fui liberado e voltei para casa, mas aquela casa não servia mais para mim e aqui estou eu, vivendo juntamente com eles, nesta praça onde você costuma passar quase todos os dias. Você está os vendo?

- Não, não estou. Respondi.

- Eu estou, estão aqui bem pertinho de mim. Disse ele sorrindo para mim.

- Mas, e quanto a você, é feliz? Perguntou-me novamente.

- Sou feliz, muito feliz. Respondi com lágrimas nos olhos.

Ele me olhou por um instante e disse-me:

- Eu sei, você é feliz. Valorize esta felicidade e, sempre que quiser compartilhar dela conosco, estaremos sempre aqui. Acrescentou.

- Obrigado, agora preciso ir, até amanhã. Respondi. - Está precisando de alguma coisa? Se estiver, é só falar que providenciarei. Acrescentei.

- Não, não estamos precisando de nada. Vá em paz e até amanhã. Disse ele.

Josildo S Neves