Resetar/ Formatar/ Ejetar
Ficou assim, pasmo, como que congelado, quase um minuto. O terno caiu assim que deparou-se com aquilo, jazia agora lá, no chão. Já a maleta, essa ele não largou, tinha-a consigo, apertava com força a alça, seu ponto de apoio em meio à confusão. A mão livre tremia, uma espécie de tilt; coisa estranha. As pernas fraquejaram um instante, descompondo momentaneamente a pose ereta, sátira pós-moderna do homem contemplativo. Estava divagando, precisava recompor-se, analisar a situação com frieza. Dialética, essa era a chave. Buscar a origem do problema em algo que fizera erradamente, alguma razão para essa malcriação da Providência.
Levantara às seis e cinco, nada de snooze, levantar e tomar uma ducha. Fazer a barba. Cueca, calça, camisa, cinto, meias, sapatos. Café lendo jornal. Só as manchetes – questão de tempo. Escovar os dentes, caprichar nos do fundo, maleta, terno, beijo na mulher. À pé, que o carro quebrou. Ritmo razoável, sem pressa, em dez minutos chegaria lá. No meio do caminho, estaca; a tela distancia, o foco sobe, centraliza a rua. O homem no plano da frente, pequeno frente ao problema, o paletó no chão. Os cones, a faixa com os dizeres da interdição, o buraco gigante na rua, aquela desordem repugnante. A placa, meio torta, apontando o desvio à direita. O escritório fica duas quadras à esquerda. As luzes nos cones piscando, como que caçoando dele. E o filme pára, vira foto. Foto da tragédia humana, dessas artísticas, meio preto e branco, na verdade basicamente cinza. Tudo cinza, menos a placa, os cones – esses de uma cor alaranjada, brilhante. Alegoria do homem medíocre pós-moderno, essas coisas.