UM SERVIDOR PÚBLICO, NÃO POR ACASO [baseado em um caso real].
 
Leonardo chegou à repartição tranquilo, embora o início do expediente há muito houvesse passado. Foi direto para o Departamento Pessoal — queria saber se seu nome constava do Diário Oficial, na lista dos transpostos para o cargo de Técnico de Finanças do Ministério Civil. Não fora sempre esse seu comportamento. Houve época em que era publicamente elogiado pela chefia nos dias festivos, por sua atitude exemplar: ordinariamente assíduo e pontual. Não raro, era chamado para verificar notas fiscais duvidosas, que chegavam à seção de municiamento, pois tinha a habilidade de enxergar o que os outros, às vezes, deixavam passar. Datas sutilmente rasuradas, nome de comprador falsificado e outros tantos ardis, que ele perscrutava com felina percepção. Ansiava por ver, ali, mais seriedade nas despesas com o erário, onde era, por vezes, malbaratado. Também acalentava o sonho de poder sair daquele ministério militar.

Quando viu seu nome junto ao da maioria dos colegas, no diário oficial, encarou como uma grande vitória. Mas, continuou seu exercício naquele mesmo local, ainda que, administrativamente, realocado ao Ministério Civil; agora vestiria a camisa de um verdadeiro servidor público. Apesar de ter como chefes seus fiscalizados, o que sabia contraditório, já não engoliria tantos sapos.

Após quinze anos de casa e de tantas chefias — uns interessados na lisura das ações a que se destinavam fiscalizar; outros, apenas querendo estar no comando — chegou um chefe que foi considerado, por alguns colegas do funcionário, um divisor de águas. Essas águas se referiam às atitudes de Leonardo que, com toda sua calma e sorriso aberto — intrínseca expressão de sua fisiologia —, passou a deixar clara, o que não lhe era aparente até então —, a intolerância aos desvios e desmandos. Foi de encontro às transigências incongruentes do novo chefe de departamento, comandante Navarro. Alguns colegas, percebia, se afastavam dele, pois seu jeito franco e radical de ser não coadunava mais com os limites dos que não iam além de uma tímida discussão; mas não se ressentia, embora continuasse sonhando em encontrar almas compatíveis com a sua, para somar esforços na empreitada que iniciou. Nunca encontrou.

13jun14sexta13
(continua)
Lere
Enviado por Lere em 13/06/2014
Reeditado em 14/06/2014
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