Dez por um
Dez da manhã. Dez badaladas do sino da igreja. Dez crianças correndo pela Praça do Santíssimo Salvador, acompanhadas por pais, que oferecem somente mais dez minutos para a diversão. Não podem passar o dia todo à espera do fim da brincadeira. “Existem outras dez mil coisas para fazer”, gritou uma mãe, acenando impaciente para sua filha de dez anos.
Dez dias distante. Longe da casa, sente falta da família. Eram dez, divididos entre pai, mãe, filhos e esposas. Largou a sua companheira e resolveu buscar outros rumos. Dez anos de vidas compartilhadas e desperdiçadas. Mesmo com a dúvida, apostou em um novo caminho que, de tão novo, era imprevisível. Apenas uma carteira e uma nota de dez reais. Abandonou o passado sem esperar por um futuro.
Dez da noite. Mais um dia fora embora sem o seu consentimento. Sem respeitar as suas vontades. Um grupo de pessoas acompanhava uma roda de capoeira. Nela, dez jovens rapazes se dividiam entre movimentos e sonoridade. O mais novo sorria. Olhou-o de soslaio. Em seu rosto, florescia uma jovialidade ímpar. Os dez dedos da mão tamborilavam um atabaque. No ritmo do instrumento, ele balançava a cabeça e mostrava despretensiosa leveza.
Dez minutos depois, afastou-se da multidão. Em frente à igreja, sentou-se. De costas para a rua, vasculhou em sua cabeça alguma oração. Não sabia. Dez anos de catolicismo. Dez de espiritismo. Dez de ateísmo. Para quem poderia rezar? Dez palavras presas na garganta. Desespero. Barulho. Confusão. Dez disparos avulsos. Apenas um finalizou outros dez segundos de angústia.