Indiferente
Decidi escrever. Não porque saiba, nem porque deva, mas porque as artes da escrita, bem como todo o resto, já de nada importam.
Escrevo, portanto, porque é indiferente. Porque posso trazer a multidões de admirável eficiência dados de irrefutável valor, sem que com isso eles venham a fazer qualquer diferença; porque posso ceder aos mais absurdos devaneios e despropósitos, capitaneando fãs e adversários igualmente fervorosos, diante dos quais serei tão marcante quanto qualquer outra fagulha, real ou não, poderia ser; porque se morresse, em relatos de dor e angústia manchados de sangue, se filmasse e transmitisse ao vivo, se fosse encontrado enforcado sobre as páginas definitivas, seria por certo o tema de notícias e discussões e polêmica por uma semana. Ou talvez menos; ou talvez mais.
Deito palavra em meio ao zumbir da máquina que já não ouve nem vê, insinuo mesquinhas ironias e ultrapassado pessimismo, a milionésima solução possível e certa como todas as outras para o problema fundamental; posiciono-me altivo no imenso mosaico todo cinza, certo de ser o portador da consciência para tudo mudar.
Comprometo-me a poluir definitivamente essa confusão de dados objetivos, relevantes e sérios; mostra-los como eles mesmos e, sabendo o que são, expo-los definitivamente. Inundarei esta rede com toda a informação e o lixo e a verdade, milhões de verdades, fatos e verdades objetivamente narrados, ondas e ondas de contribuições absurdamente enriquecedoras e irrelevantes para uma vida que já de longe cheira a plástico. O maior monte de lixo que o mundo já viu.
Facilmente contornável e descartável, por certo, meu portal prolixo das soluções definitivas para problemas que não fazem sentido – e são, por isso mesmo, fundamentais – causarão desconforto aos usuários pela deformidade e desproporção, pela monstruosidade e familiaridade de sua proposta. Incansável, levantarei soluções, informações, problemas e análises para todo o campo do enunciável, para todas as línguas e tudo o mais. A biblioteca de Babel, munida de uma interface amigável, sistema de navegação e consulta on-line.
Decidido, definitivo, levo a mão à pena, erguendo-a contra os moinhos de areia movediça, que expandem e diluem a cada instante seus limites, seus contornos e seu centro. Parto eu, o retrato definitivo do novo paradigma de colocação da problemática, rumo ao centro que já não há, suspeitando de alguma forma que o coração desta máquina... é eu.
Já não importa mais; isso é o que importa. Cedo a você, caro leitor, a problemática que justifique mais um dia, mais um ano, mais uma vida. Sua vida. Não sei escrever, e mesmo que saiba, sei que não importa. Sei, também, que trago comigo resposta e crítica para um problema que não existe, ao parir um texto que de nada serve, que nem divertidinho é.
[Neste ponto, o coelho branco surge apressado, afobadamente repetindo: “não há tempo! Não há tempo!”].
Este problema – este que não existe, não tem meio ou forma ou limites e que não importa mais – este, mais que qualquer outro, mais que o clima, mais que a cotação da bolsa, mais que a violência, é problema nosso. Ele, e a pena.
Tenha um bom dia.
Will, 16/04/07