Para Homens Violentos.

Senhores, boa noite! Dia intenso!! Vamos escrevê-lo um pouco? Não a verdade nem a mentira toda, apenas um pouco.

Tudo começou às seis e doze da manhã, quando a grade do boteco do velho Jaça se abriu mais uma vez acordando o Mundo.

O corpo ainda sentindo o peso dos ansiolíticos da noite anterior, principalmente o leite com mel e as formigas mortas, tive que me reerguer mais uma vez para a existência, e, tateando, reencontrei o banheiro em minha frente. Escovei os dentes com os olhos fechados, e quase vomitei quando passei a escova na língua, como sempre.

Já meio vivo e vestido para morrer, atravessei o corredor e notei que havia uma mulher desmaiada num canto da sala. Não estava morta, tive a certeza pelo ronco, mas também nem quis saber quem era... Estava de minissaia e parecia gostosa, a calcinha azul de bolinhas enfiada..., mas o trabalho urdia e lá fora o sol começava a torrar as calvícies dos homens que de tanto pensar perderam os cabelos e a esperança.

Engoli meia banana (a outra metade estava podre), peguei a documentação, montei em meu velho cavalo de guerra 1996 e rumei estrada à fora...

O sol daquela hora da manhã sempre me esbofeteia do lado direito da face, o que me enfurece por vezes, principalmente quando estou com uma ressaca desgraçada, que é quase sempre...

Gatos, cães, pássaros, pessoas, árvores, todos mortos espalhados pela estrada que liga meu destino diário, além dos abismos que por vezes engolem carros sem mesmo arrotar. Existe sempre uma obra, um ovni, um contrabandista, uma puta e um caminhão me esperando passar o trevo para avançar e me esmagar em meio à lataria oxidada de meu veículo, mas, como no videogame, vou desviando de tudo, olhar vítreo para um destino, inexoravelmente, não se sabendo ao certo se por todo o sempre, mas enquanto a ordem de minhas retinas e a fluidez de meu cérebro astuto me permitirem, vou desviando. Tenho que chegar lá! É essa a motivação! Tenho que chegar a algum lugar.

Ao meio dia me alimento com a coxinha da padaria da esquina, sem coca, sem água, sem suco de laranja e sem nada, sem sequer repetir a dose. A pressa e o dinheiro faz com que os homens se mutilem no dia a dia. Tinha que chegar para encontrar aquele médico bêbado que renova as CNH's dos ribeirinhos desta região, antes que o mesmo engolisse a primeira dose de uísque, caso contrário perderia o dia, e minha renovação ficaria para sabe-se lá que dia, já que a sobriedade não fazia mais parte do cotidiano daquele pobre senhor.

Quarenta minutos sentado, atacado por pernilongos da dengue, os caneleiros, como dizem por aqui, até que o velho veio com seu trejeito único de ébrio habitual, me indicando para que adentrasse à sua sala. Fui meio temeroso e desacreditado, precisava apenas da renovação de minha CNH, e alguns médicos são sistemáticos com o caso. Esse não. Mandou-me olhar pro quadro e ler as letras, me ofereceu um gole de uísque, já que me conhecia, e assunto encerrado por cinco anos. Aquele feladaputa ainda me encheu o saco porque o disse que ainda tomava rivotril! Ele me mandou tomar no cu! Dali em diante passei no Ciretran, comi a Claudete, lá nos fundos, pois a fome não saciada pela coxinha morna me deixara excitado sexualmente, e a Claudete estava sempre disposta a se servir de bom alimento a qualquer hora do dia, como a Geni do Chico Buarque, à qual clamo: não apedrejem a Geni nem ninguém, leiam "Versos Satânicos, de Salman Rushdie!, e depois paguei propina (eles sempre querem um refrigerante) pros velhos carniceiros liberarem de plano minha carteira e, como já eram quatro e sete da tarde, parti pro botequim do Seu Joaquim, onde coisas absurdas acontecem, como é de praxe naquele estabelecimento. É um bar pra homens violentos, já vou logo dizendo...

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 14/05/2014
Reeditado em 16/05/2014
Código do texto: T4806541
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