205 - E SE BUSH MORRESSE AMANHÃ ?

Transcrição do programa “E Se...?” da TVV — Televisão Virtual — do dia 30/01/2003.

A tela se ilumina com o logotipo da TVV:as letras góticas TVV desvanecendo-se em fadding e dando lugar à chamada do programa “E Se...?”. Em off ouve-se uma voz masculina:

— A TVV orgulhosamente leva até você mais uma edição da série “E Se...?”. Um programa destinado a examinar virtualmente e especular sobre os principais fatos da atualidade ou de qualquer época da história.

Cortina Musical. Aparece na tela o cenário do programa: uma sala de entrevistas, onde estão sentados, informalmente, em semicírculo três mulheres e dois homens. A jovem morena sentada ao centro é focalizada e sua imagem ocupa toda a tela. Sob a imagem, o nome da apresentadora: Fatiboa Bernaronze.

— Boa noite, senhoras e senhores. Aqui estamos para mais uma apresentação do nosso programa “E se...?”. Hoje contamos com as presenças dos convidados especiais: Dr. Rineuz Arutnev, cientista político, especialista em futurologia. A famosa apresentadora de TV, nossa colega, Ilhamar Elagabri, à minha esquerda. O escritor e cronista Dioback Piunardi, residente na Itália, ora em visita ao Brasil e que nos concede a honra de sua visita. Boa noite, Vilsio Ontas.

Á medida que Fatiboa apresenta os convidados, a câmera focaliza cada um de per si. Ao cumprimentar Vílsio Ontas, o colega que conduzirá as perguntas, sua imagem aparece in full na tela, com o nome na parte inferior.

— Boa noite, Fati. Boa noite, caros visitantes. Boa noite, senhores telespectadores. E atenção para o tema de hoje. A nossa pergunta, dirigida aos entrevistados aqui presentes, é a seguinte: E SE BUSH MORRESSE AMANHÃ ?

Aparecem no vídeo cenas do presidente dos Estados Unidos, gravadas enquanto fazia seu discurso no congresso americano, sobre o tema “O Estado da Nação”. Seguidas de outras cenas mostrando a imensa multidão de mais de cem mil pessoas reunidas em Washington, em uma demonstração contra a iminência da guerra de invasão do Iraque. Ouve-se a voz de Vílsio Ontas em off.

— O mundo inteiro está ansioso com relação ao posicionamento do presidente Bush, que promete para alguns dias a invasão do Iraque e a deposição de Saddam Husseim. O mundo inteiro sabe que se trata, antes de mais nada, de uma vingança. O Bush-pai não ficou satisfeito com a guerra do Kuait, e seu filho procura, por todos os meios, voltar àquelas plagas para vingar a frustração do pai. Mas, como sói acontecer, vamos imaginar o seguinte panorama: de repente, por causas naturais — um enfarte fatal, por exemplo — põe fim à vida de Bush. O que aconteceria? Nosso repto está lançado.

Fatiboa passa a entrevistar os convidados.

— Doutor Rineuz Arutnev. Sendo um cientista político russo, como o senhor imaginaria os Estados Unidos sem o presidente Bush?

A câmara gira até onde está sentado o perguntado. Dá um close na imagem de um homem de idade aparente de 60 anos, muito calvo, uma mancha vermelha na testa e uma expressão tranqüila nos olhos, contrastando com a boca severa, entre aspas de rugas que lhe descem pela face.

— O simples desaparecimento de Bush não alteraria muita coisa. Embora tudo pareça uma vendetta no melhor estilo dos gangsters americanos, ainda tem muita gente na administração dos Estados Unidos que quer a guerra. O próprio vice-presidente: ele segue a linha do presidente. Como Bush, ele tem também grandes interesses na indústria do petróleo, e quer a invasão para apossar-se de uma parte das reservas petrolíferas do Iraque. Mas, se com Bush desaparecessem também o vice (o que seria uma hipótese mais absurda ainda do que a que vocês apresentam hoje) e alguns “falcões” da política ianque, é evidente que o perigo da guerra cessaria de imediato.

Vilsio Ontas intervém.

— E os países que prometem aliar-se a Bush em caso de invasão?

A câmera volta para o cientista russo.

— Os sete ou oito países que ficam ao lado dos Estados Unidos são os seus lacaios de agora e sempre. A Inglaterra, país imperialista por sua própria formação, receberá recompensas imensas do aliado americano. A Turquia já tem a promessa de bilhões de dólares esparramando-se sobre seus territórios, como ajuda ou indenização. Todos são aliados de conveniência. São lacaios, como disse. Se houver uma reviravolta no panorama da guerra, acompanharão o Big Boss sem pejo nem medo.

Entra Fatiboa Bernaronze:

— Obrigado, doutor. A nossa próxima pergunta é para Ilhamar Elagabri. Querida colega, você que fez toda a cobertura da guerra no Afeganistão, acredita que Bush conseguirá seu intento de depor Saddam Husseim?

A câmera focaliza a loira repórter. Rosto magro, cabelos curtos, maquiagem leve e um sorriso espontâneo nos olhos e na boca. Parece estar muito à vontade no papel de entrevistada, ela que já entrevistou milhares de pessoas nas mais diversas circunstâncias, em todo o mundo.

— Que nada, Fati. Assim como não conseguiu êxito na caça de Bin Laden, certamente não conseguirá a queda de Hussein. No Afeganistão...

Figurando espanto, Fatiboa Bernaronze interrompe Ilhamar:

— Bin Laden está vivo?

— Seguramente! Os americanos não só não tiveram a prova de sua destruição, como já apareceram diversas mensagens gravadas em fitas de vídeo,com a imagem do terrível inimigo.

— Essas fitas serão autênticas?

— É claro! E você sabe, o que é divulgado não é nem um décimo do que está gravado. As agências de notícias só divulgam o estritamente necessário ou conveniente. Como, aliás, aconteceu no Afeganistão. Nós, os correspondentes não americanos ou ingleses, não tínhámos acesso aos locais mais importantes da guerra. Onde a ação se desenrolava. Só quando convinha aos “aliados” entre aspas. Muitas vezes o que a gente transmitia eram simples releases distribuídos pelas forças armadas.

— E o que você acha SE BUSH MORRESSE AMANHÃ?

— O Grande Satã nessa história toda são os interesses petrolíferos. Como o Iraque tem imensas reservas de petróleo, o jogo continuaria e a guerra aconteceria,de qualquer maneira. Bush encarna não só a vontade de vingança do pai como a cupidez de todos os petroleiros americanos — grupo que o elegeu e do qual ele faz parte.

Aparece a imagem de Vilsio Ontas.

— Obrigado, queridíssima colega. Agora, devo perguntar ao irreverente escritor e cronista Dioback Piunardi: E SE BUSH MORRESSE AMANHÃ?

A câmera se volta para o perguntado: o rosto de traços delicados, cabelos compridos bem cuidados, lábios finos e um olhar que não esconde o sarcasmo e a ironia, características do entrevistado.

— Seria a melhor coisa do terceiro milênio, o fato mais importante de nossa era. Já vai tarde. Aliás, se a gente pudesse meter dentro de um saco toda essa corja que tomou conta do império americano, e jogasse o saco num rio, o prejuízo maior seria o saco.

Vilsio interrompe Dioback:

— E a guerra evitada. —

— Não, esta guerra, como tantas guerras que aconteceram a partir do final da Idade Média, quando apareceu o capitalismo, não será evitada. É condição própria, a guerra faz parte do ciclo do capitalismo. O capitalismo não sobrevive sem guerras. Enquanto houver o sistema capitalista, as guerras acontecerão.

Fatiboa intervém:

— Mas, imagine por um só momento o seguinte quadro: Bush morre, a guerra é evitada. O que se seguiria?

A imagem um tanto zombeteira de Dioback volta à tela.

— Sim. Vamos pensar até mais além. A guerra evitada, e os enormes recursos que estão sendo disponibilizados para a invasão (bilhões e bilhões de dólares) seriam re-dirigidos para pesquisas na busca de praticabilizar o uso de outras fontes de energia. Como, por exemplo, o oxigênio, o hidrogênio, a energia solar. Em dois tempos o mundo ficaria livre da dependência do petróleo como fonte importante de energia.

Do outro lado do semicírculo, o doutor Rineuz se agita. A câmera mostra um homem impaciente, querendo apartear.

— Obrigado, Dioback. Parece que o doutor Rineuz quer acrescentar alguma coisa?

— Sim. Quero fazer um complemento ao que o ilustre senhor Dioback afirmou com relação à praticabilidade de uso de fontes alternativas de energia. Acontece que já existe tecnologia que permite o uso e a distribuição de energia solar, do oxigênio, da energia eólica, ou seja, dos ventos. Mas esse conhecimento, essa tecnologia, estão sendo mantidos em segredo, ou, pelo menos, em aparente segredo. E sabem quem patrocina esta sonegação de divulgação tecnológica? Justamente as companhias de petróleo. O seu interesse é que o óleo negro e sujo seja de uso predominante, indispensável, contanto que as fontes estejam todas em suas mãos, ou sob seu controle.

Agora é a vez da intervenção de Fatiboa Bernaronze:

— Bem, meus caros telespectadores, assim chegamos ao final de mais um programa da série “E se...?”. Agradecemos nossos entrevistados, bem como a atenção de todos vocês que nos assistem.

Entra a imagem de Vilsio Ontas:

— Obrigado, amigos. Boa noite. Até a próxima semana.

Na tela surge o logotipo do programa, seguido pelos créditos da produção, e, finalmente, o logotipo da TVV — Televisão Virtual.

Desafio ao Leitor

Os nomes dos personagens desta entrevista são anagramas de jornalistas e apreentadores de programas de televisão brasileira. Tente encontrar os verdadeiros nomes de

Fatiboa Bernaronze — Ilhamar Elagabri — Vilsio Ontas

Dioback Piunardi — Rineuz Arutnev

Anagramas dos nomes dos personagens: (informação técnica, não consta do texto oficial)

Fatiboa Bernaronze — Fátima Bernardes Ilhamar Elagabri — Marilia Gabriela

Vilsio Ontas — Silvio Santos Dioback Piunardi — Diogo Mainardi

Rineuz Arutnev — Zuenir Ventura

Antonio Roque Gobbo –

Belo Horizonte, 30 de janeiro de 2002 –

cONTO # 205 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 08/05/2014
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