Yobuanga e os sapatos de ferro
Em tempos idos, em que o mundo ainda sofria da presença indesejada de salteadores, um homem chamado Yekaua arrecadou uma fortuna fabulosa, oriunda dos saques que empreendia na calada da noite.
Yekaua era um salteador intrépido, que enfrentava qualquer situação para obter o saque desejado, pois já havia sobrevivido aos rigorosos invernos, ao tórrido verão, às matas repletas de perigos, entre outras situações inimagináveis.
Já avistando a vindoura decrepitude que seu corpo lhe reservava, Yekaua fez-se conde e foi viver uma vida de luxos num casarão suntuoso próximo à cidade onde nascera. O salteador adquiriu faustosas carruagens, hostes de soldados para guardar seu palácio e uma vasta quantidade de escravos, dentre os quais, havia um homem chamado Yobuanga.
Yobuanga tornara-se escravo em virtude de dívidas pendentes com o clero local, e não mais na condição de homem livre, foi comprado por Yekaua para exercer a profissão de escravo doméstico_ privilégio para poucos.
Yobuanga não vinha de uma família de camponeses; destarte não estava acostumado com o labor que lhe era imposto, e além de árduas tarefas, ele ainda era obrigado a tolerar seu mestre ufanando-se acerca de suas conquistas do passado.
_ Anda, teu indolente! Levanta-te e vai cuidar de teu serviço! Tua fresquidão me é execrável. Eu tudo aguentei nessa vida, pois tu hás de aguentar, também! Toma, engraxa sapatos_ disse Yekaua a Yobuanga, enquanto este lamuriava-se da exaustão que lhe acometia devido às afanosas tarefas.
Yekaua era um homem egoísta e tenaz, e dizia que todo clamor era fruto de mente vazia, daí andava sempre com sapatos de ferro, para que ao primeiro burburinho descontente de seus escravos_ que laboravam extenuantemente_ , ele os mandasse polir aqueles calçados de ferro.
Exausto das incessantes atividades domésticas, porém incapaz de se queixar, Yobuanga foi saudado com uma notícia muito venturosa: Partiria por entre as florestas a fim de chegar à província vizinha com seu amo, para assistir ao torneio de espadas.
A alegria do escravo não era por causa do torneio em si, mas devido à oportunidade de obter um descanso, mesmo que fugaz, dos serviços de casa.
_ Yobuanga, teu patife ocioso! Vai pegar as provisões para a jornada. E sem delongas!_ bradou o conde.
No canto da parede havia toda sorte de coisas: sacos de arroz e figos secos; caldeirões; tapetes e mantos de seda; entre outras parafernálias que seriam usadas na viagem. Após terminar de amarrar todos os suprimentos à um burro de carga, Yobuanga escorou-se num freixo e disse despretensiosamente:
_ Como estou cansado e triste! Anseio por uma sombra_ clamou o escravo, ainda desolado pelo recente fenecimento da mãe.
_ Cansaço?!?! Tristeza?!?! _ Inquiriu o amo_ Isso é fresquidão! Vai polir sapatos!
Antes do esvaecer do ocaso, os dois já rumavam para seu destino, pois o intento era chegar ao torneio ao dilúculo e desfrutar de todas as belezas da cidade vizinha. A senda, tortuosa e ignota como era, escondia perigos invisíveis a viajeros noturnos.
_ Anda, teu pusilânime! Puxa esse asno!_ quando de repente um barulho surdo foi ouvido. Yekaua caíra num profundo buraco, oculto pelo negror da floresta.
_ Dá-me de comer e vai buscar socorro! _ vociferou o mestre. _ O auxílio só chegará pela manhã, portanto dá-me o saco de figos!
_ Saco de figos? _ indagou Yobuanga como que surpreso. E antes de partir para nunca mais voltar, estendeu sua mão para o amo e disse suavemente: _ Nada como sapatos!
Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente.
William Shakespeare