Batom Destampado

-Você vai ao jantar de noivado de seu amigo João, Vanessa?

-...

Vanessa, que estava sentada em frente à penteadeira arrumando-se, cercada de perfumes destampados e acessórios de todos os tipos, nem deu atenção a mulher que acabara de aparecer na porta, escorada nos batentes.

-Vanessa!

-O que?Oh sim, sim... João, pois é né, o Bruno nem faz questão que eu vá, mas eu vou mesmo assim.

-Quem é Bruno?

Vanessa vira-se para a mulher girando a banqueta de piano.

-Ora essa, Tia Vanda, Bruno é meu namorado.

-... Oh sim...Namorado. Toda semana você tem um, não é?

-Um o que tia?- Perguntou Vanessa, abrindo um porta joias de mármore, escolhe um par de brincos dourados em forma de serpente com olhos de brilhantes e outros mais simples de pérola negra ainda no pacotinho.

-Namorado... às vezes eu acho que você faz coleção de homens.

-Às vezes eu acho a mesma coisa – Murmurou Vanessa ameaçando rir, e depois, como que mudando de assunto só que ainda dentro do mesmo assunto, diz, engolindo a réstia de escárnio que havia lhe sobrado nos lábios:

-Ora essa, deixe de bobagens tia Vanda, eu Bruno já namoramos há quase um ano, e, aliás, a senhora diz isso sempre.

-Claro que não, eu nunca repeti isso.

- Não me venha com essa agora.

-Tudo bem, tudo bem, mas me diga, quero saber, você vai para o jantar de noivado do seu amigo?

Vanessa largou os braços sobre as pernas, colocou um brinco diferente em cada orelha, virava o rosto de perfil para o espelho, escolheu o brinco de pérolas negras. No andar de cima, ouvia-se um som esparso de um arrastar de cadeira, seguido por um som de estilhaçar de vidro, provavelmente uma taça.

- Merda - Ouviu-se logo em seguida.

-Sabe tia, às vezes eu acho que Bruno não gosta de mim como antes, falando comigo com aquela voz melosa de rapaz apaixonado, sabe como é, aquela voz?

-Não se faça de desentendida, responda a minha pergunta primeiro.

-Ta... mas...O que a senhora acha da minha situação?

-Situação?Que situação?Nossa, que cheiro de cigarro, maconha...

-A minha situação com o Bruno. Ele não me liga mais como antes. E agora ele fala comigo de um jeito diferente, esquisito, sem contar que ele não fala sobre absolutamente nada sobre a nossa relação nas poucas vezes que saímos. E ainda por cima ele fica me olhando de um jeito esquisito, um olhar de canto do olho, como que com nojo de mim.O que será meu Deus, que eu fiz para esse homem passar a me odiar assim, de uma hora para outra, estarei eu, pecando?- Agitou as mãos para cima, como que para fazer Deus entender melhor a “Situação”. Ele deve estar me achando uma vadia sem vergonha, deve achar que eu só estou saindo com ele para fazer aquilo- A tia arregalou os olhos- mais pelo contrário, sou muito esperta para ele, o sonso da historia é ele, com esse jeito de cínico que não engana ninguém, caralho. eu ainda dou um soco na boca dele, só para ver o maldito cuspir sangue.

-Nossa como assim, você disse que estão juntos há um ano e agora você vem me dizer que ele não liga mais pra você. Não estou entendendo Vanessa.

-É que... Bom, no começo ele fazia tudo para me agradar, e agora assim, hermético, frio , amargo.- Dito as frases de desabafo, arrancadas do lado ferido do coração, Vanessa suspira.

-Ora essa Vanessa, se vocês ainda estão juntos depois de um ano, ele deve amar você assim como você ainda ama ele, não é?

Vanessa moveu os lábios para um lado.

-Sabe o que é tia, eu nem mais sei se amo ele tanto assim.

A tia desviou os olhos para um lado.

-Como assim? Não estou entendendo.

-Eu estou diagnosticando a morte cerebral do nosso amor, só sangue passa por eles agora, não existe mais aquilo de “sede da alma”, para mim, o nosso amor teve morte cerebral, respira, pulsa, porém não sente.

Vanessa abre a gaveta central da penteadeira e retira lá do fundo um batom de cor verde, abre-o, faz um muxoxo de desgosto e torna a guardá-lo no fundo da gaveta, de onde ele provavelmente nunca mais sairá. Abre outra gaveta, a da esquerda, retira um batom, destampa-o, vermelho paixão. A tia, ainda no canto da porta, faz rodízio com os pés para manter-se de pé. Vanessa suspira e começa a pentear o cabelo com uma velha escova com um espelho atrás, onde Vanda podia ver-se, e indignada, levava as mãos ao rosto e pensava ”Minha nossa, como estou ficando velha, acho que está na hora de consultar o Dr.Genaro, minha cara está pavorosa”, diz em seguida, abaixando as mãos:

-Nossa minha querida, que horrível, mas... como é que vocês se dizem ainda, “juntos” ?– Fez o sinal das aspas com as mãos.

-Sabe o que eu acho... - Com cara de vingança. Eu acho que o Bruno ficou frouxo e está querendo sáris do armário, porém não tem coragem se assumir para os amigos machos dele. Aquele bando de abutres, só sabem falar de esteróides e mulheres nuas.

-Nossa.

-Triste não?

-Sim, muito, mas... Você não vai àquele jantar, já são quase oito horas.

Vanessa começa a observar a própria imagem no espelho oval com rosas de madeira entalhadas em volta. Vanessa dá um longo suspiro, diz, distraída com o batom preto nas mãos:

-Eu acho que ele te uma amante.

-Não diga besteira.

-Falo sério, ele anda fazendo muitas ligações escondidas. Se pelo menos ele me deixasse ver aquele maldito celular...

-Ele deve ter os seus motivos ora essa, todos nós temos problemas, Vanessa, não pense que existe só você neste mundo.

-É... eu sei lá.Me passa esse vestido preto ai encima da cama.Obrigada.

-Mas enfim... Você vai para o jantar de noivado do seu amigo João ou não?

-Jantar?Noivado?Que jantar de noivado tia, estas maluca?

-Não me venha com essa, eu vi que ontem você recebeu a ligação da sua amiga Valéria, vocês falavam sobre um noivado, e depois pareciam discutir sobre aquele tal de João, aquele que fez faculdade com você, é... eu sei que você gostava dele, ou talvez ainda goste. Bem que eu percebi que você falava sobre ele com uma cara de choro, e...

-Tia!

-O que foi?

-O noivado que eu Valéria conversávamos era o noivado do Victor!

-oh sim... Quem é Vitor?

-Esquece, João morreu ontem, o ônibus em que ele estava voltando do Rock in Rio capotou e caiu de uma ponte. Agora eu estou me arrumando para ir ao funeral. Uma rajada de vento entrou pela janela furiosamente, no andar de cima uma porta bate com todas as forças no batente.”Merdaaaaa”, alguém grita.

Depois de colocar o vestido e passar o batom, Vanda apanha as chaves do carro em cima da cama e sai do quarto esquivando-se da tia. Em seguida, ouve-se apenas o som dos sapatos descendo as escadas ao mesmo tempo do ponteiro dos segundos do relógio de galinha grudado na geladeira, enquanto Vanda permanecia na mesma posição com cara de assombro, petrificada depois do choque, com os olhos vidrados no batom vermelho que Vanessa usou e deixou destampado.

Bego
Enviado por Bego em 04/05/2014
Reeditado em 11/05/2014
Código do texto: T4794127
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.