O MENINO SONHADOR

Só vi quando ele olhou para os lados e cruzei meu olhar com o dele. Maycon caminhava, corpo levemente encurvado para frente, embora uma grande mochila empurrasse seu frágil corpo para o lado oposto. Ele olhou meio sem expressividade para meu lado enquanto eu passava pela rodovia que seus pés provavelmente cansados margeavam.

Ele andava a passos muito apressados e parecia carregar nos ombros um fardo que era apenas refletido no peso de seu material escolar. Ainda assim parecia que todo aquele peso nada significava diante do seu olhar sereno e compenetrado no horizonte do caminho ruidoso que ele seguia. Havia talvez um outro peso bem mais intenso e mais duradouro, visível e notável nos olhos e passos do garoto que caminhava sob o forte sol, escaldante e que cobria seu rosto de gotas de suor.

Maycon apenas olhou e não diminuiu seus passos, foi um desvio que não o retirou do caminho e de seu direcionamento. Estava ele acostumado a observar a direção da frente e não desviar-se para nada. Não lhe era permitido.

Seus passos rápidos àquela hora levava o menino de volta para casa. Na mochila, sua esperança e expectativa de futuro que ele perseguia na escola. Em casa, a única oportunidade a que ele podia se agarrar para que ele e seus irmãos tivessem um novo rumo na vida. Menino dedicado, ficava até o último minuto e aproveitava todas as oportunidades que seus professores lhe ofereciam. E voltava rápido para casa.

Maycon tem treze anos e dois irmãos menores o espera. A mãe fica fora o dia no trabalho e ele chega para encaminhar os dois para a escola. Precisa ser rápido. Sua irmãzinha de onze anos consegue deixar pronto o almoço que a mãe preparara carinhosamente noite anterior. Maycon faz tudo o que precisa e os leva à escola. Refaz o caminho já percorrido anteriormente, o que deixará por muito tempo seu corpo magro e suas forças tão reduzidas.

De lá vai até a padaria do seu vizinho. Apesar da idade tão pouca, Arnaldo lhe oferece algum dinheiro para realizar entregas numa bicicleta para clientes e trabalhadores que recebem pão quentinho para o lanche da tarde. E apesar do cansaço, ele faz sua entrega com um largo sorriso no rosto, sempre agradável. É um menino querido e amado. Sempre que ele se vai, alguém fala: esse menino tem futuro. É esforçado, trabalha muito e mesmo assim anda sempre feliz.

Essa rotina torna Maycon um garoto cheio de esperança, faz com que ele veja e vislumbre um horizonte onde seu sol vai nascer mais ameno para clarear um dia de luz suave que não lhe agrida. À noite, ele sonha com um dia fresco e agradável como a visão da lua entre as nuvens, suave de se ver e afável de se sentir.

À tardinha, quase anoitecendo, após um longo abraço:

_ Mãe, que saudade! Como foi seu dia!

- Inteirinho pensando em vocês. Onde estão seus irmãos?

- Já estão tomando o lanchinho mamãe. Hoje seu Arnaldo me deu pão de milho. Deixamos já um pedacinho pra senhora, com requeijão que ele também me presenteou. Venha.

Conduzindo a mãe para a cozinha.

- Fiz café mamãe. Quentinho e forte como a senhora gosta.

Com lágrimas nos olhos Vilma senta-se e come seu pão de milho que seu Arnaldo ofereceu em meio a lágrimas. Mas... não pense que hoje foi uma exceção. Maycon todos os dias tenta chegar correndo e deixa algo para sua família. O dono da padaria também todos os dias diz pra sua esposa quando vê o menino virar a esquina correndo para chegar a tempo com o brinde que ele lhe entrega.

- Ah Constância, como eu queria que nosso filho fosse como esse garoto.

Arnaldo também se emociona. Seu único filho enfrenta um processo judicial e está aprisionado por envolvimento com drogas.

Não raro Maycon leva uns esfolados ao cair na tentativa de chegar logo em casa. Deixa o lanche, mora perto da padaria e vai buscar os irmãos na escola e esperar a mãe em casa. Café prontinho, ficam à porta esperando dona Vilma apontar no alto da rua. Os menores correm ao encontro dela em meio às pedras daquela rua estreita de tantos anos. São muitos sorrisos e os poucos recursos que a família dispõe não impede de que se amem muito. Após o lanche e um bom banho, os irmãos vão ver TV, Maycon senta-se à mesa e vai fazer os deveres da escola e a mãe se ajeita na cozinha preparando um bom jantar para as crianças. Maycon mergulha nos livros, sabe que seu futuro depende deles. Sabe que precisar ler muito para ser o advogado que tanto deseja. E esse menino quer ir longe, sonha em julgar, em poder fazer justiça, em poder um dia tornar o mundo em que vive mais ameno e mais agradável como as noites de lua cheia entre as nuvens acompanhadas de vento fresco. E logo logo vai dormir. E sonhar. E descansar. E sonhar de novo.

Ah, o título né. A respeito das pessoas. É que elas (nós) ficamos quase sempre só no olhar. Nada mais.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 30/04/2014
Reeditado em 10/03/2021
Código do texto: T4789194
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