TABUS

TABUS

BETO MACHADO

Passei a minha adolescência quase toda a refletir sobre o dogma religioso da confissão perante o padre. O resultado dessa busca desenfreada por um razoável entendimento foi o meu afastamento das atividades religiosas. Alguns podem classificar de radical a minha atitude, mas eu uso um bom álibi: meu lado primitivo prevaleceu. Andei por algum tempo ignorando a existência de DEUS, porém, como a burrice não tem o dom da eternidade, me curei desse mal, livrando meus sentidos e minha mente do percurso equivocado.

Rota corrigida, ateísmo mandado às favas, considero-me um agnóstico convicto que transita bem entre a mística com moderação e a ciência com abnegação. E procuro me despir de todos os modos de preconceitos possíveis.

Foi, para mim, uma grata satisfação conhecer um ex padre jogando futebol contra o meu time de pelada, num sítio ao pé da serra do Mendanha. Essa é uma atividade muito comum aos domingos do charmoso bairro de Campo Grande do Rio de Janeiro. Futebol, churrasco, cerveja, refris e outras “cozitas más” formam um conjunto de prazeres efêmeros que a “neo classe média” não abre mão, pois é o seu lazer disponível, ao seu alcance. Essa pequena massa emersa de um bolsão de pobreza, onde as diversões eram as raias de malha, as mesas de sinuca, os jogos de purrinha, os jogos de sueca e buraco, acompanhados de outras diversões menos nobres como tomar cachaça e falar da vida dos outros.

A propósito, das “historinhas” que o padreco Lucio Almada, exímio churrasqueiro, nos conta todos os domingos, a que me chamou a atenção foi a confissão de uma de suas “carolas”, durante alguns fins de semanas, dos pecados cometidos no transcorrer dos sete dias.

O odor do tempero nos grossos e lipideosos bifes de contra filé ziguezagueava por entre frondosos arbustos, levado pela brisa fresca que amenizava o calor, fazendo com que o sol fosse bem vindo por todos ali. Os elogios rasgados ao padreco, por sua técnica de assar carne sobre brasas, o inspiravam a contar historinhas. E ele não se cobria de nenhum pudor para relatar fatos ocorridos e confessados por membros do rebanho que fora seu. O máximo que ele omitia eram nomes. O mais não escapava nada de sua língua afiada: idade aproximada, cor, altura, grau de parentesco, estado civil... Nomes ele não falava de jeito nenhum. E não faltavam pedidos para que ele quebrasse esse tabu. Como eu aprendi que fofoqueiro é quem empresta seus ouvidos a maledicências, peço licença aos leitores e vou embarcar na canoa do padreco e passar adiante uma “historinha cabeluda” que ele contou quase teatralmente. Quanto mais leitores me emprestarem seus sentidos para a leitura desse texto, mais me sentirei absolvido.

A beata era fervorosa. Todas as missas, todas as reuniões na Paróquia era presença certa. Segundo Lucio Almada, o padre desertor, num sábado chuvoso, num crepúsculo noventino essa religiosa lhe fizera confissões de “coisas do arco da velha”. De fazer arrepiar o cangote de Nelson Rodrigues.

Ela era casada com um médio empresário do ramo da publicidade, porém, era a renda proveniente do escritório de advocacia dela que garantia o orçamento da família, até que um dia o moço deu motivos e ela não pestanejou em dar-lhe um “pé no traseiro”. Depois de ajustar suas contas com o pai de seu único filho, na vara de família, ela criou, sozinha, o fruto que ficou de uma escolha equivocada no passado.

O crescer do menino caminhava na razão direta do crescer do amor daquela mãe super protetora, cujo instinto materno se assemelha ao dos grandes felinos e das grandes aves. “lugar de filhotes é debaixo das asas da mãe”. Só que a dose exagerada de carinhos trocada entre mãe e filho saiu do controle de ambos. Mais uma vez o instinto animalesco veio influenciar na vida daquela dupla de DNA comum.

Numa noite de temporal assombroso, com clarões intermitentes e estrondos retumbantes a beata pôs-se de joelhos, juto à sua cama, e disparou uma saraivada de pedidos de clemências a todas as entidades do “céu” que livrassem o seu lar de qualquer sinistro causado por fenômenos da natureza. Sua visão periférica, assim como seu sexto sentido a fizeram perceber a presença do filho à porta do seu quarto, a espera do final de suas preces. Sempre que relampejava ou trovejava o jovem mimado corria para junto de sua mãe. Muito mais que segurança, pra ele, era aconchego, conforto, satisfação. E a beata jamais negara a ele qualquer dessas situações. Era DEUS no céu e o filho na terra. Tanto que depois da separação ela adquiriu uma espécie de aversão a namoro, a despeito da aparência jovial.

O temporal era inclemente. O volume de água da chuva era tão intenso que transbordava por sobre a calha galvanizada, colocada na parte inferior do telhado colonial. Passado algum tempo, o murmúrio constante, produzido pelo vento, pela chuva e por trovões, soava igual a uma estranha canção de ninar. Sentados lado a lado, mãe e filho tentavam equilibrar duas sensações: o medo e o sono. A cama era o prato único dessa balança. O sono pesou mais que o medo e os dois adormeceram abraçados.

Inúmeras vezes aquele jovem dormira na cama de sua mãe, desde que seu pai fora colocado porta fora, a toque de caixa. Mas essa noite teria sido o divisor de águas na sua vida. Dezessete anos é o ocaso vespertino da adolescência. É o pôr do sol que não virá amanhã com a mesma cor.

A narrativa do padreco era de uma dramaticidade impressionante. Contava segredos alheios como quem conta fábulas infantis.

Duas horas depois de mãe e filho caírem nos braços de Orfeu a beata desperta. Não há mais murmúrio de ventos, de chuva ou de trovões. Ela se vê enlaçada pelos braços do filho e uma das pernas dele descansa sobre suas ancas. Ela exita entre se desenlaçar ou permanecer imóvel para não despertar o sono do seu “neném” grande, que parecia sonhar com fatos agradabilíssimos, visto que a serena respiração junto à nuca da mãe a isso induzia. O instinto primitivo da beata se aproveitou da sua imobilidade temporária e a despiu de todos os seus princípios éticos, religiosos e sociais. Praticou atos libidinosos com tanto fulgor nas partes genitais do filho que o jovem custou acreditar que não era um sonho. Era o seu primeiro orgasmo conseguido sem o uso das próprias mãos.

Devido a autoridade que a mãe exercia sobre o filho, esse se envolveu num manto de pudor tão espesso que, pela manhã, o jovem demorou um bom tempo para olhar nos olhos dela, à mesa do café.

Abeata notou um certo ar de felicidade no semblante do filho, por trás do manto da vergonha. Distraidamente se flagrou cantarolando a marchinha de carnaval: “tomara que chova três dias sem parar”. O jovem se desvencilhou da timidez e inquiriu a mãe sobre aquela música. A Resposta o remeteu à noite anterior e, de novo, voltou pro seu casulo. A felicidade que a beata observara no rosto do filho era de origem hormonal; a de origem psicológica ainda estava por vir.

Ao cabo de uma semana com noites enluaradas, inspirando os raros exemplares românticos, eis que se concretiza a previsão dos meteorologistas: nova carga forte de chuvas. Aquelas famosas “águas de março fechando o verão”.

Durante os dias de bonança climática, tanto mãe quanto filho não tocaram no assunto daquela noite de temporal, mas em suas mentes passeavam as perguntas: “O que a teria levado a fazer aquilo”? --- pensava ele... “Teria ele reprovado o meu gesto”?

O padreco era incansável. Dava conta de assar as carnes, fazia questão de servir aos menos afoitos, que se colocavam mais distantes da churrasqueira, o que lhe rendia grande popularidade. Em pouco tempo seu circulo de amizade se equivalia ao número de fiés religiosos da paróquia, outrora administrada por ele. Desde que deixou a batina Lucio Almada não mais encontrou com a beata da sua historinha. Não só ela, mas outros fiés, por não saberem a verdadeira causa da sua saída, evitam, até mesmo, mencionar seu nome.

A transparência dos assuntos internos da Igreja Católica não é tratada com satisfação, muito menos com espontaneidade por parte do Alto Clero. E cabe aos religiosos do baixo escalão executarem, tão somente, o que lhes for determinado. Tal qual nos ambientes militares: “Direita, Volver!” ; Esquerda, Volver!” ; Marcar Passos!”. Há um comando de ordem unida, muito raramente usado por esse exército espalhado por todo o Planeta: “Em Frente, Marcha!”

Raríssimas vezes que algum comandante desse mega exército tentou emitir o comando que simboliza mudança do status quo do pensamento religioso, este recebeu uma contra carga com outro comando: “Meia Volta, Volver!”.

Pelo jeitão desprendido e a demonstração de idéias progressistas o padreco deve ter ouvido de seus superiores o comando de meia volta, mas com o vigor da frase bíblica: “Vade retro, Satanás!”

Abeata e o filho fechavam as janelas do escritório, posto que a ventania prenunciava outra chuva forte. Precisavam antecipar o retorno à casa para evitar o transtorno do transito. Mal adentraram na garagem de porta automático a chuva desabou. Pura sorte? Não. Precaução. A chuva de hoje veio desacompanhada de relâmpagos e de trovões. Mas a intensidade produziu os mesmos alagamentos nas partes baixas do bairro, visto que o rio que corta a região carece de desaçoreamento há anos.

Mãe diante da TV, filho diante do PC. Enquanto a programação da TV produz sono, as novidades da internet alimenta a insônia da juventude.

A beata recolhe-se em seu quarto, faz sua oração e deita. Quase simultaneamente percebe o condicionador de ar desligar. Abre a janela que dá para a varanda, retira o pijama para não molhar de suor, vai até à cozinha, vê a luz do quarto do filho acesa, toma um copo d’água gelada e retorna a seu quarto. O calor aumenta. Ela decide abandonar seu aposento. Ao bater à porta do quarto do filho e notar uma certa demora percebeu que a navegação do seu bebê era imprópria para a mamãe invasora. O jovem abriu a porta mas a sua virilidade e o vigor da sua juventude o traíram. Sua barraca insistia em não desarmar. A mãe foi entrando, dizendo da pane do ar condicionado e, sem cerimônia, foi deitando na cama do filho. Diante dessa situação o interesse do jovem pela internet se esvaiu. Desligou o PC, foi à cozinha e, quando voltou, passou direto ao quarto da mãe. Fechou a janela que dá para a varanda, acionou o disjuntor do ar uma, duas, três, quatro vezes. O equipamento não respondia. Quando sentou-se à beira de sua cama sua mãe já dormia. Foi quando viu que ela estava só de roupas íntimas. Exitou entre cobri-la, buscar seu pijama, reduzir o frio do ar. Decidiu por nada disso. Deitou juntinho da mãe, cuidadosamente para não acordá-la e a enlaçou do mesmo modo que fizera na noite do temporal anterior. A chuva dessa noite já se fazia quase silenciosa. Não havia aquela estranha canção de ninar, nem o medo dos trovões nem dos relâmpagos. O sono não vinha. Retornaram à sua mente aquelas imagens do site que abastecera seus olhos de colírios maravilhosos, antes da mamãe bater-lhe à porta. O jovem se ligou que, a despeito de sua mente estar diante de uma tela imaginária, o seu corpo está grudado ao corpo de uma mulher semi nua, independentemente de terem o mais alto grau de parentesco. Resolve dar cordas às suas fantasias eróticas, logo, logo misturando as imagens da memória com a da realidade daquela cama “pecaminosa”. Os sacolejos e solavancos desenfreados e os apertões contra a parede desperta a mãe que se vê presa pelas mãos e pernas do filho. O jovem parecia possuído pelo espírito de Eros. A beata pensou em pedir arrego mas seu corpo pedia alimento para a libido. E ela atendeu à solicitação do corpo. Num brusco solavanco ela se soltou das garras do filho... Antes que o susto o traumatizasse ela o acalmou e explicou-lhe que sexo é troca de energias psico-biológicas. É como uma via de mão dupla.

Aquela mãe jamais havia falado coisas tão sérias com tanta ternura para seu filho. A doçura das palavras da beata reanimaram o menino, tanto que suas armas se puseram, de novo, em posição de combate.

Ante a estupefação do filho, sem dar mais uma palavra, ela curvou-se na direção do púbis do garoto e lhe fez experimentar os prazeres do que ele só conhecia por ouvir falar: boquete, frango assado, sexo anal, papai e mamãe, sessenta e nove, cachorrinho...

Estava iniciado mais um jovem para encarar os desafios de uma cama habitada por um corpo de mulher, ávido por prazeres da carne.

O padreco coloca essas historinhas nos ouvidos de seus amigos com a mesma naturalidade com que coloca carne no espeto e na grelha da churrasqueira. Segundo ele a intenção é quebrar paradigmas, tabus e dogmas, como se fosse a abertura de uma porteira para a passagem do gado novo, que representa o novo pensamento político, religioso, científico, social, ético, moral, cultural, ecológico e vai por aí.

A dinâmica civilizatória exige mudanças e quebra de tabus. Precisou o padreco abandonar a batina para tomarmos conhecimento de um tabu quebrado. Até então só se ouvia falar de coito incestuoso entre pais e filhas; irmãos e irmãs; primos e primas; avôs e netas; sendo a iniciativa sempre atribuída ao gênero masculino: outro tabu.

A propósito, o desfecho da historinha do padreco nos leva a acreditar que a quebra de um tabu pode produzir um efeito dominó. A beata iniciou seu filho e desbloqueou seu próprio psiquê. Já namora sem culpas nem traumas.

Mas a minha curiosidade está à flor da pele. Que tipo de pecado a beata está a confessar para o novo padre da sua paróquia? É claro que não é sempre que aparece um Lucio Almada para nos brindar historinhas de fatos reais com pitadas de ficção como essa.

Roberto Candido Machado
Enviado por Roberto Candido Machado em 21/04/2014
Reeditado em 16/08/2014
Código do texto: T4777859
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