Conto sem nó
Téo nunca fazia nada que não fosse premeditado. Tudo para ele tinha um objetivo e, como fosse esperto e manipulador, sempre conseguia seus intentos.
Não haveria de ser diferente com Lila. Viu-a no ponto de ônibus e deliciou-se com seu corpão. Chovia; o ônibus demorava. Passou de carro ali em frente, duas, três vezes. Notou em suas mãos a sacola da loja, parou, perguntou-lhe se conhecia a rua Tal, a mesma do endereço impresso na sacola. Cara de cão sem dono.
Enquanto ela indicava o caminho, ele balançava a cabeça, confuso. Perguntou-lhe se por acaso ela ia para lá. Não por acaso, ia, porque lá trabalhava. Téo então ofereceu-lhe carona. Chovia; o ônibus demorava. Ela aceitou.
A loja da rua Tal tratava-se de um armarinho, e assim Téo inventou que era alfaiate - para poder freqüentá-la e ver Lila todos os dias, em busca de seu intento.
Com sua lábia certeira, conseguiu informações preciosas dos outros sobre Lila. Descobriu que ela era mãe de um menino. Um dia lhe fez um discurso emocionado falando sobre seu amor por crianças, e de como - lágrimas nos olhos - gostaria de criar um filho. Mesmo que não fosse o pai.
Soube também que Lila gostava daquele cantor brega. No dia seguinte apareceu com o CD mais recente do Fulano, e, dizendo ser o seu preferido, ofereceu-lhe em empréstimo.
O sonho dela era ser bailarina? Convidou-a a assistir ao balé. Ela gostava de sorvete? Trouxe-lhe uma casquinha.
Finalmente, vislumbrou o seu passaporte para o Paraíso, ao descobrir-lhe o sonho dourado: um anel de pedra azul. Vira uma imitação barata numa loja próxima, não teve dúvidas: comprou-a.
Aquele seria o grande dia. Ou melhor, a grande noite. Combinou de ir pegá-la na loja no final do expediente para um lanche na padaria (ela adorava padarias). Botou um antigo paletó (ela adorava homens de paletó), cujo bolso furado ele mesmo, a seu modo, havia costurado uns dias antes. Enfiou lá dentro o anel e sua caixinha de veludo, e foi, confiante, atrás da presa.
No balcão da padaria, já salivando, Téo disse a Lila que tinha trazido algo muito especial para ela. Enfiou a mão no bolso, mexeu, remexeu, não achou nada além de um rombo enorme. O anel e sua caixinha haviam caído.
Ela ficou visivelmente desapontada, ele mortalmente revoltado. Explicou-lhe sobre o furo no bolso. “Ué”, ela interveio, “você não é alfaiate?”
Franziu a testa, olhou-o de soslaio e saiu de fininho, desconfiada. Bom demais pra ser verdade, Lila pensou.
Téo, espumando de raiva, jurou que jamais daria novamente um ponto sem nó.