O Treinamento do Mestre
O Treinamento do Mestre
(Todo Mestre tem um Mestre)
- Ei, por que não posso ir ter com aquele pessoal? – indaga o Mestre, apontando para a imagem que naquele momento, passava no monitor.
Senhor M., o mestre do Mestre, que estava analisando uns papéis, parou por instantes e viu que a grande tela mostrava um dos números musicais, ensejados numa pequena cidade chamada Woodstock.
Senhor M. entendeu o tom jocoso do discípulo, assim como entendia a apreensão natural ante uma missão daquele porte.
Era talvez a hora de espairecerem um pouco, conversa fiada ajuda nesse propósito, isso quando não remove alguma dúvida remanescente.
Da janela viam-se bosques e casas, muito bem ordenados, sobre pequenos montes. A cor das nuvens se mesclava a cor do céu, pássaros faziam uma algazarra num arvoredo próximo, o trem suspenso passava ao largo, silencioso, tendo no fundo um poente que já fora, mas deixara raios de muitas cores e claridão.
- O combinado havia sido Nazaré... – disse o Mestre observando a paisagem.
- Meu caro, foi um acerto de última hora, não se preocupe. Belém é próxima, temos um pessoal especializado para fazer esse ajuste...Você sabe, estamos pulverizando a mensagem em vários idiomas e em vários lugares. Depois, os idiomas vão mudando, a mensagem contudo...
Um bando de aves maiores, brancas, de bico curvo, passa rente à janela.
- Esses ajustes envolvem coordenadas celestes – expressou o Mestre – a mais leve mudança...
Ficou claro para o sr. M, naquele ponto, a inquietude do discípulo. Aproximava-se a hora de sua partida para a tão ansiada missão. Nesses últimos momentos juntos, toda expressão era analisada, passavam horas conversando, vendo imagens, jogando xadrez, meditando. Sr. M. conhece quão pertinente é essa preocupação. Quanto mais alto é o ponto de onde vem uma alma, mais difícil é sua viagem de volta. Tudo tem de estar absolutamente milimetrado.
- Você sabe que alguns duvidarão, inclusive, da sua existência – colocou o sr. M, apenas para testar o discípulo - De qualquer forma, em termos de documentos, será o evento antigo mais bem documentado de toda a história. Cerca de 5.000 manuscritos...
- O que é normal, não achas? – suspirou o Mestre com o olhar perdido no horizonte – Mas, ambos sabemos que não se trata nem de documentos, e nem de história.
Os dois se olharam por um momento. O crepúsculo entregava seu turno para uma noite clara, embora sem lua. O Mestre atravessou a sala, voltando para perto do monitor.
- Vamos lá – disse o sr. M, com o olhar firme e um traço de sorriso – me diga, o que é que está te incomodando?
A sala tinha um leve perfume de flores.
- Acho que estou um pouco ansioso. Essa espera começa a ficar cansativa. Quantos dias faltam? Me mostre de novo a cena que, segundo você, despertará em mim a memória da missão.
- São várias – retruca o sr. M. – e todas estarão ali para despertar lembranças. Ah, vou repetir mais uma vez: os essênios usam roupa branca, de linho. Parte do teu treinamento virá deles. Mas acho que sei a qual cena te referes. Nela, estás com pouco mais de 10 anos.
Três segundos depois, o seguinte enredo se desenrola no monitor:
Oprimido por uma angústia momentânea, o menino se desvencilha de seus pais, e corre à esmo pela Jerusalém repleta. Atravessa o pátio dos Gentios, o pátio das Mulheres, se mescla com a multidão, por entre ela vê homens paramentados imolando bodes e touros, sacerdotes cheios de mantos e jóias, mais o sangue aspergido nas multidões, então continua caminhando, caminhando, “esse não parecia o templo de seus sonhos, nem o céu de seu coração. Ele desceu aos bairros populares da cidade baixa. Viu mendigos lívidos de fome, rostos angustiados que mostravam os reflexos das últimas guerras civis, suplícios, crucificações. Viu loucos saírem das cavernas e soltar blasfêmias contra os vivos e os mortos. Viu à borda de uma água amarelada, arrastarem-se leprosos, paralíticos, infelizes cobertos de todo tipo de ulcerações. Uma necessidade irresistível o forçava a olhar no fundo de seus olhos, a beber toda a sua dor. Alguns pediam socorro, outros embrutecidos, pareciam não sofrer mais. Mas quanto tempo fora necessário para que ficassem assim? Então disse a si mesmo: de que servem esse templo, esses sacerdotes, esses hinos, esses sacrifícios, uma vez que eles não podem remediar todas essas dores?”
( O sr. M. chama-se Senhor Maitreya. O nome do Mestre você sabe. Caso você não saiba, não se aflija. Mais dia, menos dia, ele aparece na sua vida. Costumam dizer que, quando o discípulo está pronto, o Mestre aparece)
(Imagem: Borboleta de papel encontrada entre os papéis e os objetos pessoais de Walt Whitman. Provavelmente 1850-1860)
O Treinamento do Mestre
(Todo Mestre tem um Mestre)
- Ei, por que não posso ir ter com aquele pessoal? – indaga o Mestre, apontando para a imagem que naquele momento, passava no monitor.
Senhor M., o mestre do Mestre, que estava analisando uns papéis, parou por instantes e viu que a grande tela mostrava um dos números musicais, ensejados numa pequena cidade chamada Woodstock.
Senhor M. entendeu o tom jocoso do discípulo, assim como entendia a apreensão natural ante uma missão daquele porte.
Era talvez a hora de espairecerem um pouco, conversa fiada ajuda nesse propósito, isso quando não remove alguma dúvida remanescente.
Da janela viam-se bosques e casas, muito bem ordenados, sobre pequenos montes. A cor das nuvens se mesclava a cor do céu, pássaros faziam uma algazarra num arvoredo próximo, o trem suspenso passava ao largo, silencioso, tendo no fundo um poente que já fora, mas deixara raios de muitas cores e claridão.
- O combinado havia sido Nazaré... – disse o Mestre observando a paisagem.
- Meu caro, foi um acerto de última hora, não se preocupe. Belém é próxima, temos um pessoal especializado para fazer esse ajuste...Você sabe, estamos pulverizando a mensagem em vários idiomas e em vários lugares. Depois, os idiomas vão mudando, a mensagem contudo...
Um bando de aves maiores, brancas, de bico curvo, passa rente à janela.
- Esses ajustes envolvem coordenadas celestes – expressou o Mestre – a mais leve mudança...
Ficou claro para o sr. M, naquele ponto, a inquietude do discípulo. Aproximava-se a hora de sua partida para a tão ansiada missão. Nesses últimos momentos juntos, toda expressão era analisada, passavam horas conversando, vendo imagens, jogando xadrez, meditando. Sr. M. conhece quão pertinente é essa preocupação. Quanto mais alto é o ponto de onde vem uma alma, mais difícil é sua viagem de volta. Tudo tem de estar absolutamente milimetrado.
- Você sabe que alguns duvidarão, inclusive, da sua existência – colocou o sr. M, apenas para testar o discípulo - De qualquer forma, em termos de documentos, será o evento antigo mais bem documentado de toda a história. Cerca de 5.000 manuscritos...
- O que é normal, não achas? – suspirou o Mestre com o olhar perdido no horizonte – Mas, ambos sabemos que não se trata nem de documentos, e nem de história.
Os dois se olharam por um momento. O crepúsculo entregava seu turno para uma noite clara, embora sem lua. O Mestre atravessou a sala, voltando para perto do monitor.
- Vamos lá – disse o sr. M, com o olhar firme e um traço de sorriso – me diga, o que é que está te incomodando?
A sala tinha um leve perfume de flores.
- Acho que estou um pouco ansioso. Essa espera começa a ficar cansativa. Quantos dias faltam? Me mostre de novo a cena que, segundo você, despertará em mim a memória da missão.
- São várias – retruca o sr. M. – e todas estarão ali para despertar lembranças. Ah, vou repetir mais uma vez: os essênios usam roupa branca, de linho. Parte do teu treinamento virá deles. Mas acho que sei a qual cena te referes. Nela, estás com pouco mais de 10 anos.
Três segundos depois, o seguinte enredo se desenrola no monitor:
Oprimido por uma angústia momentânea, o menino se desvencilha de seus pais, e corre à esmo pela Jerusalém repleta. Atravessa o pátio dos Gentios, o pátio das Mulheres, se mescla com a multidão, por entre ela vê homens paramentados imolando bodes e touros, sacerdotes cheios de mantos e jóias, mais o sangue aspergido nas multidões, então continua caminhando, caminhando, “esse não parecia o templo de seus sonhos, nem o céu de seu coração. Ele desceu aos bairros populares da cidade baixa. Viu mendigos lívidos de fome, rostos angustiados que mostravam os reflexos das últimas guerras civis, suplícios, crucificações. Viu loucos saírem das cavernas e soltar blasfêmias contra os vivos e os mortos. Viu à borda de uma água amarelada, arrastarem-se leprosos, paralíticos, infelizes cobertos de todo tipo de ulcerações. Uma necessidade irresistível o forçava a olhar no fundo de seus olhos, a beber toda a sua dor. Alguns pediam socorro, outros embrutecidos, pareciam não sofrer mais. Mas quanto tempo fora necessário para que ficassem assim? Então disse a si mesmo: de que servem esse templo, esses sacerdotes, esses hinos, esses sacrifícios, uma vez que eles não podem remediar todas essas dores?”
( O sr. M. chama-se Senhor Maitreya. O nome do Mestre você sabe. Caso você não saiba, não se aflija. Mais dia, menos dia, ele aparece na sua vida. Costumam dizer que, quando o discípulo está pronto, o Mestre aparece)
(Imagem: Borboleta de papel encontrada entre os papéis e os objetos pessoais de Walt Whitman. Provavelmente 1850-1860)