Discovery

Estava sentando à cabeceira da mesa comendo bolinhos de chuva e lendo fábulas infantis para meu sobrinho que ficara sob meus cuidados enquanto minha irmã estava ensinando a outras crianças coisas importantes que, depois; elas iriam esquecer.

-Tio, não fale de boca cheia!

- Por quê?

- Porque é feio.

-Quem te disse isso?

-Mamãe.

- Ela não sabe de nada.

- O que? – Disse ele espantado, com os olhos verdes arregalados.

Foi então que percebi que já começara a falar muito.

-Estou só brincando. –Respondi tentando consertar.

Tony era esperto apesar da idade, 5 anos, já sabia de muitas coisas, de repente, senti que ele começou a reparar nos detalhes da mesa de madeira, da parede branquinha e lisa, do chão escuro e me olhava atentamente medindo cada ângulo do meu rosto, cada marquinha da minha face e cada fio de cabelo da minha cabeça teimosa.

- O que foi Tony?

- O que?

- Não para de olhar pra mim, isso é irritante!

- Ah, Desculpa tio.

- Ok, mas me diga; o que é que está olhando tanto?

Ele engoliu seco, deu uma respiração curta e disse:

- Tava pensando se vou ser assim quando eu crescer.

- Assim como? Velho? Hahaha

- Não, cheio de inseguranças mesmo.

- O que? –Perguntei com certo espanto.

- Nada.

A cozinha ficou em silêncio profundo. Os ponteiros de relógio soavam altos. Não sei por quanto tempo aquele período permaneceu hiato. Meu sobrinho não dizia mais nada, eu não tive coragem de rebater e ouvir mais verdades que só uma criança é capaz de dizer sem escrúpulos. Senti medo da verdade.

-Tio?

-Oi

-Você sabe cozinhar?

- Sei...

-Aprendeu com quem?

- Oras, sei lá, acho que sozinho mesmo...

-Não acredito!

- Por que não? Escuta, não quer ouvir mais fábulas?

- Quero ué.

- Então pare de perguntar tanto.

Tony abaixou a cabeça e esperou pela estória. Senti um pouco de pena por ter sido tão rude com ele, mas acho que foi minha defesa, não aceitava que uma criança de cinco anos soubesse coisas tão pessoais sobre mim. Sempre fui fechado com minhas intimidades, com meus gritos de socorro, sempre gritei em silêncio, enxerguei no escuro, abracei o travesseiro, escrevi sem papel, falei ao pé do ouvido de ninguém.

-Amor, não quer escolher o conto?

-Vai me dar esse poder de decisão?

-Claro, você decide... Tony, acho que você anda vendo muita televisão... Seu vocabulário é bem rico pra uma pessoinha de 5 anos que ainda nem sabe ler.

- Isso foi um elogio?

- Acho que sim, mas então quer que eu conte qual?

- Bom, conte sua história, como você tornou isso o que é hoje?

- Mocinho, já chega!

-É tio, as pessoas odeiam mesmo ouvir verdades, vi isso no Discovery.

- Ah, como eu imaginava...

Lucas Guilherme Pintto
Enviado por Lucas Guilherme Pintto em 13/04/2014
Código do texto: T4767169
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