Momento especial

As vozes vindas do meu vizinho me incomodam consideravelmente. Já falei com o síndico para tomar uma atitude contra o sujeito que bate na filha e violenta a esposa.

Na verdade, não sei se segue essa ordem. Pode haver até um revezamento: quando bate numa, estupra a outra. Sem seguir um planejamento organizado.

Graças à crise imobiliária perdi todos os meus investimentos. Há quatro meses moro neste cortiço, uma espelunca de primeira. Residem aqui de tudo e mais um pouco: entregador de jornal, motoboy, prostituta, michê, gigolô, traficante, lixeiro, escultor e por aí vai.

Os gritos continuam. Estou farto. É tanta injustiça no mundo que às vezes tenho vontade de cometer um ato heroico e justo. Servir de exemplo para os mais jovens. Morrer por algo que valha a pena. Ficar eternizado na história.

Mais gritos.

Caralho!

Está decidido, será hoje. É isso ou eu não mereço este par de bolas que carrego entre as pernas.

Vou até a cozinha e pego minha faca de ponta que está sem fio. Encaixo na cintura. Abro minha porta e caminho pelo corredor do prédio. Os gritos são da criança. A filha do casal é uma loirinha, deve ter dez ou onze anos...

Bato na porta do vizinho.

Mais gritos.

Bato de novo e uma voz estentórea e rouca pergunta quem é.

Bato outra vez e um homem, sem camiseta e apenas de cueca aparece sob o marco da porta. O cara é grande, mais de 1,90 de altura. Digo-lhe para encerrar aquela algazarra.

— Trabalho em casa e preciso me concentrar — brando para ele.

O homem apenas ri e gritando, me dá um ultimato:

— SE VOCÊ APARECER AQUI DE NOVO, SEU MERDA, DIGA ADEUS AOS SEUS CHINELOS E A TUDO QUE VOCÊ CONHECE E TE FAZ BEM.

Não consegui enxergar nada atrás dele. Nem criança, nem esposa, nem ninguém.

Esmurro a porta novamente.

O grandão surge com uma barra de ferro na mão. Antes que faça qualquer movimento, saco a faca do cós da calça e lhe enfio no abdômen.

No pescoço.

No peito.

E para finalizar, nas genitálias.

Só estando numa cena dessas para entender o quanto de sangue corre dentro do corpo humano.

É impressionante. É inesquecível. É delirante.

O homem está caído dentro do apartamento e uma poça enorme de sangue se forma em volta dele. Entro no recinto e vou até o quarto. A visão é desoladora: a filha está nua e com as mãos atadas na cabeceira da cama. Parece estar em choque ou aliviada, não sei. A esposa é a visão de um hematoma ambulante. Seu rosto está inchado e destroçado. Treme-se. Está encolhida num dos cantos do quarto.

Digo-lhes:

— O demônio está morto e vocês estão livres!

Silêncio.

Desamarro a menina. Ela continua estática sobre a cama. Respira e pisca, sem mexer nenhum outro músculo.

Passo por cima do corpo do brutamontes e retorno para casa. Não há ninguém nos corredores. Aqui ninguém se mete na vida de ninguém. As pessoas já têm problemas suficientes. Para que adquirirem mais?! Melhor cegarem-se diante das desgraças alheias.

Chaveio minha porta, tomo banho e lavo minha faca. Abro uma garrafa de cachaça mineira, sirvo num copo de shot e bebo. Guardava a aguardente no armário há muito tempo. Esperava um momento especial para sorvê-la.

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Jim Carbonera
Enviado por Jim Carbonera em 09/04/2014
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