Sorte bipolar

Meio-dia em ponto e minha sorte começa a mudar. A madrugada havia sido horrível, cheia de pesadelos infames, estupros e até capação.

A lotação não demora para passar. Piso na calçada e ela chega, sem espera nem demora. Ajudo um ceguinho a subir na condução, ganho pontos com Deus e, feliz, leio um livro até chegar ao centro da cidade.

Desço da lotação, passo por vendedores ambulantes e hippies maltrapilhos que vendem contrabandos e artesanatos. O sol esconde-se envergonhado atrás de algumas nuvens. Uma brisa fraca e cansada sopra mansamente.

Almoço cachorro-quente no carrinho d’um tiozão de bigode grisalho e com uma verruga no nariz. Entro no banheiro público e antes de mijar dou três descargas porque a tripa robusta que boia no sanitário não quer mergulhar nem desaparecer.

Sento numa praça, escrevo um poema no meu bloco de notas sobre a beleza da mulher gaúcha e as vaginas solitárias das mulheres feias. Assisto de camarote a briga de dois mendigos por uma garrafa de Caninha 51 e trovo fiado com uma senhora de 77 anos que está ao meu lado. Jogo charme para cima de uma estudante que saí de um cursinho universitário e, antes de regressar para casa, passo numa casa de câmbio e troco R$ 2,40 por 1 dólar.

Meia-noite em ponto e minha sorte começa a mudar.

Dou um peido e me cago. Tomo banho e a resistência do chuveiro queima. Saio do banho gelado e começo a espirrar. Minha gata no cio mia sem parar. O interfone toca e o vizinho grita que se eu não castrar a Cindy ele mesmo fará com uma faca de pão.

Encolhido na cama, resolvo dormir. Ligo a tevê e abro um livro para chamar o sono. Ouço BUM. Um gerador de energia estoura na rua e imediatamente cai a luz. Não tenho vela nem lanterna. Fecho os olhos sabendo que minha madrugada será longa e tortuosa.

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Jim Carbonera
Enviado por Jim Carbonera em 08/04/2014
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