Vida de Cigarro
Enfim saí daquele cubículo. Ufa!
Ele tirou-me de lá e, com aquela mão grande que tem, separou-me dos meus companheiros que ficaram presos lá dentro esperando a sua vez.
Entrou por uma porta e já foi logo me acendendo. Ai!
Foi direto à janela e deu sua primeira baforada. Minha fumaça se espalhou pelo lugar: era um quarto de hospital, havia na parede um relógio que marcava cinco para as duas da tarde e no leito dormia um velho fraco; mas minha fumaça já havia se espalhado muito pelo quarto e agora eu via tudo distorcido.
Mas logo ele deu sua segunda tragada em mim: Minha fumaça agora estava em seu corpo, dentro dele. Eu via tudo, certinho, tudo o que ele pensava e sentia. Então, bruscamente, ele assoprou minha fumaça para fora: uma boa parte saiu pela janela do quarto, outra pequena parte amarelou-lhe os dentes e o resto entrou de volta no quarto, e então vi, novamente, o velho sobre a cama; quem agora eu já havia descoberto, quando estava no corpo do homem, que era o pai dele. E minha fumaça se perdeu no espaço outra vez...
Às vezes me pego pensando em como é engraçada a vida de cigarro, e de quem fuma também. Há uma relação muito interessante entre ambos, em que um morre com o outro e um mata o outro. Mas, enquanto isso, são grandes amigos!
Terceira tragada: minha fumaça, fração da minha alma que se esvai aos poucos, invade o quarto novamente. O relógio marca as horas. Marca o tempo. O tempo de vida que resta para mim, para o homem que me mata e que morre, para o velho sobre a cama, para o término do horário de visitas...
Meu assassino e vítima ficou por uns segundo sem me tragar, nesse tempo ele olhava lá para baixo, para a rua, para as pessoas apressadas pelo ritmo urbano: de pressa e medo; nada de olhares, só passos apressados sobre o chão das calçadas. Ele tinha os olhos perdidos pelos arranha-céus. "Que tédio!" Devia pensar ele "Essa visita que não acaba nunca!".
Mas já havia acabado. Ele me deu a última tragada, e essa foi a mais longa: viajei de novo pelo seu corpo, nos limites da sua impaciência.
"Por que esse velho não morre logo?!" pensou ele, e soltou minha fumaça, como um touro raivoso de desenho animado, pelo nariz. Agora eu estava completamente livre, era apenas fumaça, só o eu-fumaça. Agora poderei ir para onde quiser!
Mas antes, através do meu eu-fumaça, minha última fumaça, a fração que faltava da minha alma para eu me libertar completamente, eu olhei pela última vez o velho e, fumaça, última fumaça, eu encontrei com o último suspiro do infeliz sobre a cama. O relógio marcou às duas da tarde. O homem bateu a porta e se foi: a visita acabara. Talvez um dos meus companheiros de maço dê um jeito nele!...