Beco da Fome II

Miguel Rodrigo estava bêbado no “Beco da Fome”, sentado à mesa do botequim ainda aberto, eram seis e meia da manhã, um reflexo da luz do sol batia no seu rosto. Um pirralho apanhou uma cédula de dez mil-réis que caíra do seu bolso, e falou:

- Meu velho, olha o seu dinheiro, caiu!

- ...

Miguel Rodrigo agradece com gesto de cabeça e faz menção com o dedo indicador da mão direita na palma da mão esquerda pedindo tempo.

Dois policiais fardados que passavam pelo beco, um deles deu um cascudo no pirralho, que revoltado disse:

- Não sou ladrão, tá pensando o quê?

- Esse filme já passou! – disse um dos policiais militares.

(...)

Nas proximidades do Beco da Fome, na 7 de Setembro, Azambujanra, com o seu amigo, foram à Livro Sete. Estudantes, intelectuais... conversavam sentados num dos bancos de madeira. A poetisa Poeta levanta-se do banco e abraça Azambujanra demoradamente. Eles se beijam à la... E o Vento Levou, e se retiram da frente da livraria. Já eram sete e meia da noite a livraria estava fechando as suas portas, quando um grupo de ‘crentes’ chegaram pregando o evangelho.

O seu amigo ficou ouvindo as pregações dos evangélicos. Enquanto isso, o casal de poetas decidiu tomar uns drinques no Beco da Fome.

Ouvia-se Aquarela do Recife:

Recife das pontes e dos arranha-céus

Cortados de rios à beira mar

És uma planície com teus palmeirais

E tuas igrejas tradicionais

Recife da praia de Boa Viagem

Os teus jangadeiros, lá fora, a pescar

O vento soprando os teus coqueirais

Divina paisagem em noites de luar

Vê é bom se vê

Recife não pára, somente a crescer

Vê como é bom se vê

Milhões de habitantes no Recife a correr

Nosso Recife tão querido

Teu carnaval não tem igual

Sejam bem-vindos ao Recife

Para conhecer a beleza natural

Vê tem bumba-meu-boi

Vê aqui tem xangô...

Vê a terra do frevo,

Tem caboclinhos

Tem maracatu

São coisas deste teu folclore

E alguns pregões vou cantar:

Chora, menino, pra comprar pitomba

Mangaba, caju e araçá

Pirulito de “mé de abeia”

Mel novo de engenho e munguzá

Caranguejo, uçá de maré do areal

Tudo isto é Recife

A terceira capital.

Numa verdadeira miscelânea, ouvia-se baião, xote, samba-rock, forró-pé-de-serra, poesia...

Nota – Extraído do livro "Trem Fantasma"

(Contos poéticos & humorísticos), pp.15-20 –

ed. 2005.

Blog Fiteiro Cultural – http://josecalvino.blogspot.com/

José Calvino
Enviado por José Calvino em 05/04/2014
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