* A festa natalina estava acabando, a manhã despontava.
 
A maioria das pessoas já havia deixado o clube.
Roberto parecia conduzir os pensamentos até lugares bem afastados.
O término do namoro, concretizado há vinte minutos por Priscila, a bela moça que ele via, nesse exato instante, ao lado das irmãs, lhe ofertar um rápido aceno e sair, caiu como se fosse um furacão arrastando tudo.
 
O rapaz, após iniciar a preparação para o vestibular, cinco meses atrás, conheceu Pri, uma jovem que o encantou completamente.
Ele, então, decidiu deixar as reuniões da igreja.
Priscila não era religiosa e nunca negou o desinteresse pelo assunto.
Os pais de Roberto não gostaram, mas respeitaram a opção do rapaz.
 
Nessa noite, por exemplo, ele recusou ir ao culto tradicional de Natal da antiga igreja, reunião que amava, escolhendo o clube o qual Pri  sugeriu.
O jovem percebeu, todavia, a moça bastante arredia.
Amanhecendo ela esclareceu que conhecera uma pessoa na semana passada, fora do cursinho, a qual começava a entusiasmar a formosa estudante. A moça queria ser sincera com Roberto, portanto o melhor seria terminar o romance.
 
A revelação não soou nada simples. A relação já mexia demais com o rapaz, alterando os hábitos e estimulando suas escolhas.
Roberto ficou se sentindo um imbecil. Se arrependeu muito de trocar as palavras aconchegantes do Evangelho, naquela noite maravilhosa, pela companhia da moça instável e ingrata.
 
* Na última semana do ano Roberto não foi ao cursinho.
Ele não queria ver Pri.
As aulas oferecendo um reforço fundamental, antecedendo as provas decisivas, foram esquecidas. Roberto precisava reavaliar sua vida.
Suas dezoito primaveras pediam uma grande reflexão.
 
Novas Priscilas viriam, outras frustrações ele teria, desencantos seriam inevitáveis. A força da igreja, a necessidade dela, a visita das tentações tentando atrapalhar os anseios iluminados, eis experiências as quais provavelmente ainda desfrutaria.
 
Ele desejava demais dar ênfase ao pensar e repensar.
Contrariando os impulsos e a atitude bem pouco introspectiva da idade, Roberto sempre gostou de avaliar os passos percorridos.
 
* Sem informar aos familiares que havia terminado o namoro, na noite do réveillon, o rapaz viu a família seguir rumo ao culto.
Dessa vez ele espontaneamente não pretendia estar na igreja.
Roberto experimentava uma forte necessidade de estar só, buscando o reencontro profundo, revendo conceitos, idealizando projetos inéditos.
A ocasião favorecia essa oportunidade.
O jovem decidiu abraçar a solidão momentânea com fervor.

Deu um ou dois telefonemas.
Não atendeu a ligação de Pri.
Escutar a ex lhe desejar um ano próspero e feliz não parecia legal.
 
Perto da meia-noite, Roberto, adentrando o silencioso quarto, sentado na sua cama, resolveu orar. Ele rogou perdão por ter desprezado o culto no último Natal.
Não lastimou escolher a distância do culto agora, porque aproveitava o momento para interagir com o Alto e retomar o ânimo restaurador.
 
Percebeu que conheceria novas garotas.
Afinal de contas, ele era muito novo.
Sua desilusão amorosa facilmente superaria.
 
Pediu sabedoria a Deus e agradeceu.
Agradeceu o ano o qual terminava, repleto de lições preciosas.
Agradeceu os amigos, a família querida, os pais carinhosos e dedicados, a chance de estudar, o futuro promissor que imaginava...
 
O rapaz sorriu. Concluindo a oração, sentia a paz inundar seu coração, trazendo a esperança da renovação e a certeza do sucesso.
 
* Roberto observou que faltavam dez minutos para o próximo ano.
A algazarra lá fora não deixava nenhuma dúvida.
Sonolento o rapaz desligou a lâmpada do quarto e encostou a cabeça no travesseiro.
Sua mente recordou o salmo 23.
 
Cada vez mais o torpor do sono o dominava. Nesse ir e vir, facultando o mergulho gostoso do adormecer, percebendo que a mudança de ano era bastante iminente, Roberto começou a falar mentalmente:
O Senhor é o meu pastor, nada me faltará...
Ele me faz...
 
Talvez cinco ou dez minutos depois, Roberto despertou, os fogos fortes celebravam o ano que acabara de nascer.
 
Ele me faz repousar em pastos verdejantes...
Leva-me para as águas serenas de descanso...
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 05/04/2014
Reeditado em 05/04/2014
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