FÊMEAS
 
 
                    
Já sei. Você vai dizer que não existe criança feia. Concordo. Mas existe Rosamaria. Nome de bela flor. No entanto, tem um porém. Rosamaria nasceu feia. Muito feia. Quando a mãe a viu, assustou-se. Olhou para o médico, para as enfermeiras, numa interrogação muda.
Os profissionais a olharam com o mesmo espanto, sem dizerem nada.
A mãe olhou-a novamente. O coração transbordando de dor.
Então, a imagem veio num relâmpago, e a mãe deu gargalhadas. Os presentes ficaram assustados.
O médico verificou os sinais vitais. Tudo em ordem. Mas a mulher gargalhava, olhos arregalados.
Mesmo colocada na maca, mesmo indo pelos corredores, mesmo entrando no quarto, gargalhava. Rosamaria queria mamar. Ofereceu-lhe o seio e ficou observando.
Já não gargalhava. Limpou os olhos com uma fralda de pano e deixou-se voar para o quintal.
 
Quando compraram a casa, não se cansava de olhar para o pinheiro que fazia sombra no jardim. A árvore, no pátio dos fundos da casa vizinha, era grande. Ao entardecer, era uma sinfonia. Abrigava espécies que faziam ninho, brigavam, cantavam e ali dormiam. Deixava-se ficar em contemplação. Às vezes, até esquecia os afazeres para se deleitar com a imagem e divagar.
Um dia, deparou-se com uma coruja. Primeiro pensou que fosse um tronco quebrado. A ave, estática, nem os olhos mexia. Então, pegou uma pedrinha e atirou. A coruja rodeou os olhos, mas não se mexeu. Ficaram se olhando até a mulher desistir. Parecia brincadeira de jogar sério. A ave ganhou.
Entrou a tempo de ouvir o marido dizer:
- A mãe de vocês deve ter pirado: está imóvel, admirando o pinheiro. 
Riu e argumentou que não tinha pirado, que lá encontrava uma espécie de vida encantada.
         Na tarde seguinte, lá estava a coruja. Porém acompanhada de um macho. Olharam-se os três. O macho olhou para a fêmea e pareceu perguntar:
- Quem é esta aí? Conheces?
A fêmea revirou os olhos. Depois, ambos encaram a mulher e ficaram na brincadeira de quem pisca primeiro. As aves ganharam, mais uma vez. A mulher perdeu um tempo maior a admirá-las. Havia uma atração, uma espécie de amor. Gostaria de tê-las nos braços, fazer um carinho e mergulhar nos olhos misteriosos. Era um encanto, uma atração que lhe fazia perpassar um frêmito pelo corpo.
         À noite, o marido ficou entusiasmado com o amor da mulher. Não se manifestou a dor de cabeça, não cobrou a pintura das paredes, não foi verificar se os filhos estavam bem cobertos.
Foi assim que Rosamaria foi gerada.
 
Já em casa, olhou mais uma vez para a filhinha adormecida e foi procurar uma explicação.
Encontrou a coruja no mesmo galho. Quando a olhou, ave deslizou a cabeça para um lado e para o outro, como se estivesse dizendo não, não e não. No entanto, havia um risco de sorriso.
A mulher gritou:
- Por quê?
O sorriso foi aumentado.
A mulher ouviu, embora a coruja não abrisse o bico:
- Uma pequena vingança. Não admito que flertem com o meu homem, na minha frente. Agora, vá. Rosamaria te espera.
Mesmo achando que estava maluca, que desta vez, realmente, havia pirado, obedeceu.
Debruçou-se sobre o berço e teve uma surpresa. Gargalhou até ficar cansada. Porém, agora, tinha outro motivo.


 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 04/04/2014
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