Um inocente menino


     Aconteceu em Navegantes. Uma cidadezinha no litoral de Santa Catarina. A notícia veio como um soco. Foi tão brutal o ocorrido, que me encheu de aflição. Aquilo ficou pesando na minha alma.
     Tomei o rumo do sol poente, passo a passo, sem notar a beleza que o entardecer me proporcionava. O sol ia se esmaecendo, deitando solenemente num gigante vácuo infinito lá longe. Uma indefesa e doce criança de oito anos fora brutalmente assassinada. A angústia de assistir a violência nesse mundo de hoje me comprimia o peito, tocou-me profundamente.
     - Vieram de madrugada, eram dois, um disse pro outro: “É ele, é o Michael”... suspirou a humilde senhora... aí atiraram na cabeça dele, pobrezinho, meu neto dormia ao meu lado... (meu Deus, que horror!)... Explodiu a bala dentro do seu crânio pequenino, jorrou o sangue vermelho do meu menino... ainda tem as marcas ali oh!... - assim explicava a avó, chorosa, sobre o ocorrido. O jornalista da televisão que foi cobrir a notícia policial mostrava-a, uma humilde senhora carente de tudo, já idosa, no local em Navegantes, numa vila insalubre de casebres pobres. 
Aquela digna mulher ao expor sua dor, exibiu o mundo dos desafortunados: o local onde o menino deitara ainda com manchas de sangue, o cortiço de madeira velha, a ausência de saneamento básico. Ela era pura dor. Enchi-me de compaixão. A morte o levou... anjo caído. Como poderiam fazer aquilo com o pobrezinho?... um rapaz que nem sequer teve tempo de achar mestres pra ensinar-lhe das coisas boas da vida.
Em que mundo estamos?! Meus passos e meu ser se encheram de piedade: “misericórdia Senhor Deus de todos nós!”. A injustiça nesse país é real. Como se não bastasse, toda essa barbárie, no velório a ausência dos pais. Como não?! O pai e a mãe do garoto não foram velar o filho, (que choque!)... como não?!
     - Os pais estão presos por tráfico de drogas, e não puderam dar um último adeus ao filho – informou o repórter, mostrando um número reduzido de gente ao redor do serzinho pálido, imóvel,... na urna funerária da capela evangélica. Uns poucos que dele se compadeceram. – Os pais foram sentenciados pelo juiz a cumprirem pena de reclusão em regime fechado.
Meu olhar se perdeu... Desejei que anjos entoassem um acalanto que cruzasse os céus e confortasse menino, mãe e pai. O mundo não vai parar pra saber que mais um inocente foi assassinado neste país de tantas injustiças. A notícia ficou ecoando nas minhas sinopses neuronais, as imagens ainda se mostravam impactantes e em melancólicas ligações minha memória se ativou. São estarrecedores os incidentes violentos que aparecem em fotos na mídia. São incontáveis as tragédias onde crianças pequenas são vítimas.
     Os tons do por do sol foram se avermelhando, o céu mesclava dourado, âmbar, cinzinha, cinza escuro, e o astro rei se despediu de vez deste dia, no infinito. As folhagens nas casas pelo caminho se tonalizavam de raios rubros, delicadas, energizadas com as nuances de mais um entardecer.
     - Com medo de retaliações ninguém quer falar, alguns se escondem – acrescentou o repórter – Este bairro já foi palco de outras mortes. E muitos temem pela própria vida.
     Um gemido estridente de muita agonia ouviu-se na unidade prisional, distante muitos quilômetros dali. A sofrida mãe nem ousou pedir licença pro ir ao velório... desejou tomar o menino no colo, apertá-lo contra o peito, poder dar-lhe uma gota de conforto que fosse. Na cela masculina, o pai com seus vinte e poucos anos, já não atinava coisa com coisa... o grito ficou abafado, preso na garganta. Esmurrou a parede de concreto tanto, mas tanto que a veia estourou, e ele em sangue foi pra enfermaria. Lamentou-se... num doloroso pesar. Tudo se esvaíra como numa via crucis sem fim. Um sem fim de tragédias dantescas.
     Justiça, Senhor... Justiça!... Justiça seria se, na ausência de uma vida digna com possibilidades de emprego e renda, os pais desse menino não tivessem sido levados ao mundo das drogas, se eles não precisassem chegar ao ponto de miséria humana onde chegaram. Justiça seria, já que todo o sistema falhou em ampará-los, que eles pudessem na hora da insuportável dor, ao menos abraçar aquele corpinho inerte que geraram e enterrá-lo dignamente como todas as crianças merecem. Que mundo é esse?!... todas as análises e conjecturas se esfacelam em face ao quadro violento que assistimos cotidianamente. Que tristeza infinita!
     O sol se escondeu!... Um pintor invisível fixou estrelas brilhantes pela abóbada celestial, refulgentes, irretocáveis. Meu ser pequeno, inconformado, dirigiu-se até o parque das crianças, já vazio. O mundo gira apressado e alienado às questões, assim,... dilacerantes. A morte de tantos meninos inocentes não poderia ficar tão sem importância, não deveria ser deletado das colunas dos jornais tão rapidamente.
     Despedi-me do dia lá fora encolhida no meu pesar, recolhida ao meu lar. O menino foi pro céu.

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                                                            IZABELLA PAVESI
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                                                               imagem: internet

Este conto recebeu MENÇÃO HONROSA no III Concurso Literário Internacional da A.C.I.M.A. - Associação Intl.Mandala, com sede em Milão, em 31.03.2014,  e publicado na Antologia NAVEGANTES, Edizioni Mandala, 2014.