Anêmonas

Todos os dias meu pai sentava na varanda e as observava de longe. Permaneciam ali, lindas, sorridentes, rodeadas de uma magia indescritível. Eu via o movimento misterioso que ele também via. Ele sabia disso, as anêmonas estavam ali muito antes que nós, ele as viu crescer e as viu levar seu velho pai, dizia. Lindas, hipnotizam-me como se me chamassem para entrar naquele mundo que nossos olhos não enxergam, mas que nos rodeia e eu sei. Ele também. Olhava-me receoso, mas não posso crer nas suas palavras, são crenças populares que passam de geração em geração. Lembro-me dele ali todos os dias e o pôr-do-sol sobre elas era o espetáculo mais esplêndido. Ele sentado na velha cadeira de palha, eu em pé na soleira da porta. Não se aproxime delas, dizia-me antes de recolher-se e aquela cena se repetia todos os dias.

À noite o perfume entrava pela janela do meu quarto, sentia como se estivessem ali e temia abrir os olhos. Acordava cedo, meu pai já estava na varanda a observá-las, eu as olhava e sentia gotas geladas sobre o meu corpo quente, que ia formigando aos poucos como seu fosse desfalecer. Então voltava a mim e me despedia. Durante a caminhada de aproximadamente uma hora para a cidade, eu pensava em cada uma, em todas, naquele conjunto mágico que falava sem parar ao meu ouvido. Não se aproxime delas, ele advertia, e eu não via a hora de tocá-las, de sentir mais aquele perfume, de desvendá-las. Um desejo que crescia cada vez mais.

Naquela tarde, quando estávamos na varanda olhando o pôr-do-sol, olhei-o fixamente e notei seu cansaço, percebi, então, que eu tinha os seus traços, mas há tanto tempo eu não o olhava que nem lembrava mais de como era seu rosto. Agora eu era um homem sem sonhos. Elas levaram seus sonhos embora, ele murmurava, levaram os meus. Eu então procurei por meus sonhos e não os achei, e não consegui lembrar quais eram. Estávamos perdidos naquele fim de mundo, num lugar que não existe e achei que não existíamos também. Ele quis que eu estudasse, mas eu não queria estudar o mundo, porque para mim o mundo estava ali, naquele campo sem fim e era ali que ele existia, de uma forma diferente. Ele não sabia dos meus pensamentos, porque se soubesse diria que eu estava fora de mim, guardei em segredo.

Entrei em casa sozinho e estranhei que ele não tivesse repetido o mesmo gesto; uns minutos antes, dissera-me mais uma vez que elas queriam levá-lo para longe. Não compreendi o seu medo, a não ser na manhã seguinte quando percebi a casa vazia e fui até o jardim, que me pareceu ainda maior, mais intenso e mais brilhante do que costumava ser. Aproximei-me e vi o corpo dele estendido sobre o chão. Meu rosto ainda úmido contemplou aquele que era um espelho, toquei suas mãos geladas e gritei com as anêmonas pela primeira vez, mas elas continuavam me sorrindo e me retirei.

Hoje, sentado na mesma cadeira de palha, não fui buscar meus sonhos, olho para elas e enxergo aquele transcendental encanto que me fascina. Meu pai, minha mãe, são minhas memórias do nada que vivi e do medo que tive da vida. Meu corpo cansado se ergue num impulso quase involuntário. Meus pés descalços caminham em direção a elas. Vou buscar meus sonhos e meu mundo. Não sei o que vou encontrar, elas me chamam agora.