A mulher-pecado
1
O garçom Gil para o patrão do Recanto dos amigos, do qual é funcionário:
- Seu Queirós está ficando doido...
Por trás do balcão, o outro sorrindo, indaga:
- O que houve Gil?
O garçom também sorrindo:
- O homem chegou, tomou as doses com a lagosta e depois, quando tirei a conta, veio com a conversa estranha:
- “Viu a morena que estava comigo? Falou que ia ao toalete e não voltou... Será que saiu por aquela porta do lado?”.
Surpreso, mal consegui falar, porque ele estava sozinho desde que chegara aqui no bar:
“- Vi não, Senhor...“ O Cara está delirando, vendo o que não existe!
Aí o patrão diz o que pensa sobre o assunto:
- Isso é coisa de quem está caducando, fora do mundo... Mas, vamos trabalhar que a noite tá passando!
- Certo, me dê à bandeja.
As mãos grandes seguram a bandeja e a repassa ao garçom.
- Segura e... Deixa de encucações com as doidices dos fregueses.
Sorrindo, o garçom se afasta, conduzindo a bandeja à mesa recuada da jovem que acaba de adentrar no grande salão e aguarda a bebida com o tira-gosto.
- A bebida.
- Obrigada.
Retrocedendo ao balcão Gil se indaga: Será que Seu Queirós endoidou?
- É cada figura!
2
O carro estacionado.
Ele se avizinha e ao abrir a porta escuta a voz sensual às costas:
- Estou de volta, amor.
- Você sumiu... Mas, vamos entrar!
O andar do corpo esguio. O rosto moreno, de traços corretos, sorrindo com as covinhas. O gesto gracioso de com a mão espalmada pentear a cabeleira negra, luzidia, longa para trás.
Então, sentando-se ao lado dele, com a mão maliciosa, ela procura. Numa carícia ousada, na promessa de prazer.
O homem sorri, passivo, e... Assim com o banco vazio, na ilusão da presença da mulher-pecado, ele dirige o carro, que enfrenta as trevas da noite “madura”, que, cúmplice, tudo abraça.