FÁBULA

Num reino não distante, era a classe dominante, uma espécie de leão, valentão, que mandava em tudo e todos. Era um povo de gente gorda, balofa, enfurnada em poltronas acetinadas, almofadadas, reforçadas; sobrevivendo de carne largamente estocada, levando uma vida regalada, às custas da carneirada.

Do outro lado, o lado errado, ficavam as ovelhas desgarradas, exploradas. Meio milênio de exploração criou uma patota sem noção, uma mistura de conformismo, de inação, com criatividade pra fugir da depressão, um jeitinho pra disfarçar a opção, de ser comida fácil de leão.

Até que uma ovelha rebelada, espumante e mal ajambrada, tomou tento do evento, sem tempo, num pensamento, resolveu lançar-se ao vento, assim, num impulso de momento, ousou enfrentar o leão. Não sei se por sofrimento demais, por medo de menos ou outras motivações astrais. A quem diga que por ser assim sisuda – era uma ovelha barbuda – Será que tomou a barba por juba? Certo é que a ovelha, com um discurso em sua aldeia, foi criando uma cadeia, une um aqui, outro acolá, até que num dado dia, tanta ovelha a seguia, que alegria! Espalharam-se por vales, montanhas e curvas, umas alvas, outras rubras, caras bravas, decididas. Depois de muito negociar, de anos a parlamentar, conseguiu a ovelha mestra, a barbuda, gerente daquela orquestra, mutilar alguns dos leões, a outros tirar quinhões, enfim, distribuir alguns dobrões.

Naquele reino daqui tão próximo, vingou-se um período próspero, em que ovelhas antes defenestradas, comendo pelas beiradas, foram ganhando espaços, invadindo mesmo alguns paços, num tempo de glória imberbe, uma coisa assim meio de arrepiar a derme, de tanto que emocionava. Era ovelha antes faminta, agora até dando pinta, invadindo shopping Center, comprando carro do ano, andando de avião – Veja isso gente!

A estirpe dos leões, bem, num momento acharam fácil, um jogo ganho, virado, pensaram que algumas concessões, um punhado e alguns rojões, um pouco de glória pálida, alguns quilos de pasteriada, um enfeite para telha … E aquela pataquada de ovelha, passaria, morreria, e tudo seria como dantes, naquele quartel de Abrantes.

Mas a coisa foi crescendo, as ovelhas se emplumando, falando alto, formando, comendo carne aos domingos, tendo escola pros rebentos, e o que era movimento, virou status quo sem volta, uma revolução sem revolta… E um novo país nasceu.

Mas, como em toda epopéia, há momentos de gloria e de peleia. E os leões estão à espreita, jogam ovelha contra ovelha, maquinam, vestem peles várias, espalham boatos chulos, põem outros a pichar muros, quebram patrimônio privado e público, dizem que querem o bem, mas nunca dizem de quem.

É nessa hora que a ovelha, que conhece bem a história, tem que olhar bem de perto, analisar as ações, consultar os corações, a razão e as emoções e agir com inteligência. Que haja boa convivência, mas que não volte a conveniência, de uma estirpe de leão, que sem dó nem coração, por séculos assolou, aquela ensolarada nação.

Fica aqui a moral da história, um desabafo, uma declaração de vitória: que não se esqueça esse povo onívoro, que uma vez carnívoro, um descendente de leão, vai querer o seu quinhão, se tempo houver e espaço, acabou… Será um abraço… Adeus conquistas da nação.