A espera em contos de Saudades

A história se passa no interior de São Paulo em divisa do Estado de Minas Gerais. Zona rural fazenda Araraquara as margens do Rio Araraquara próximo a serra conhecida com Morro do Forno.Uma casa antiga construída com tijolos e barro próximo á um riacho na zona rural

Alguns varais com alguns lençóis estendidos. Duas bacias de folhas de flandres dois latões de zinco e dois jarros de barro grandes.

Entra Rita, com um lampião nas mãos e o balde na outra mão.

Rita – Cleide? Ô Cleide? Vamos que está na hora, são cinco da manhã! Vamos buscar água lá na mina muié! Antes que a boiada passa e suja toda água que vamos beber! Cleide? Ôxe gente! Mais que muié mais preguiçosa sô! Ò eu já to indo, num vou ficar esperando não, mais depois você num reclama se não tiver água limpa pra beber viu? (Rita sai)

Cleide- (Entrando com lampião e balde nas mãos) Eita lasqueira viu!E ela nem pra me esperar, ela sabe que meu sono é pesado! Oh, até quando essa vida? To cansada de ficar esperando uma promessa que nunca vai se cumprir! Promessa que ele fez quando foi embora pra tentar uma vida nova.Promessa de uma vida melhor, promessa de um vestido novo e a promessa de felicidade! Felicidade que há quinze anos se esqueceu de mim. (sai)

(Entra Rita, com uma mala de roupas, vai colocando água na bacia e tira um lençol e começa lavar, em seguida entra Cleide).

Cleide – A dona Rosa da Vendinha pediu pra gente quarar esses lençóis aqui.

Rita – Que bom! Pelo menos assim a gente garante o que comer durante a semana.

Cleide – É o jeito, já que estamos sozinhas e fomos abandonadas aqui neste lugar, nesta terra que nada produz!Se soubesse como me sinto...

Rita – Ora essa sô! Temos uma á outra, sei que não é como a gente queria, mais estamos vivendo.

Cleide - Toda hora me pergunto, por que fomos abandonadas?

Rita – Abandonadas não! Ele saiu em busca de vida melhor e é pela gente Cleide! E no mais acho que a cidade grande não deve ser essa maravilha toda, a vida lá não deve ser fácil não! De vez em quando me da um nó na garganta, penso que pode ter acontecido o pior.

Cleide – Noticia ruim vem logo! Noticia ruim é como um pássaro de mau agouro, que só de ouvir cantar dá arrepio na gente... E no mais ele deve ter esquecido que existo isso sim.

Rita – Pra mim ele deve ta juntando dinheiro para me buscar ou para reformar nossa casinha. O maior sonho dele era ter uma bica de água aqui em casa, tentou até cavucar um poço, mais o chão era duro demais.

Cleide – Besteira ora, eu desisti de ficar esperando. Promessas tolas isso sim! Quantas vezes eu fiquei esperando sentada na beira da estrada, subia na porteira e quando via um carro eu pensava é ele! Mas o carro passava e minha esperança se perdia juntamente com a poeira da estrada. Poeira vermelha, vermelha como as lagrimas de sangue que saiam do meu coração.

Rita – Ara, se não tivermos esperança o que será de nós então?Eu tenho muitas esperanças e eu acredito no meu coração. Sou como um pássaro que todos os dias lança vôo para avistar novos horizontes.

Cleide – Você não perdeu o costume de subir todo dia aquela serra né?Eu não perco o meu tempo isso, antes eu até ia mais deixei de ser bocó.

Rita – Não! E enquanto minhas pernas tiverem forças subirei a serra. Descalça para ir sentindo meus pés se fincado na terra e quando no alto chegar quero abrir os meus braços se sentir o vento na minha pele e olhar tudo que minhas vistas podem alcançar. E de longe avistar a estrada de asfalto e esperar o ônibus para e ver se ele vem. E se ele vier, quero do alto da serra me lançar como um passarinho que sai para seu primeiro vôo e voar para os braços dele.

Cleide – Hoje se ta avoada de mais viu! Deixa de voar e vamos lavar esses lençóis, pois voar não enche barriga. Não sei por que ás pessoas tem essa mania de colocar roupas pra quarar?

Rita- Ô muié resmungona sô!Quarar os lençóis é uma tradição de família, minha avó fazia isso e ela costumava dizer que se você quer saber se uma muié tem a casa asseada: Olhe os lençóis que ela tem no seu varal, pois os lençóis era o espelho da casa. Ah essa é ultima lembrança que tenho da minha avó , quarando os lençóis.

Cleide – Agora sim entendo porque você lava os lençóis com tanto afinco.

Rita- (as duas quaram os lençóis) È sim, saudades, tradição e herança de família, mas para quarar um lençol tem que ensaboar ele bem e estender sobre a grama limpa e deixar que sol faça sua parte e depois é só enxaguar.

Cleide- È tão bonito ver o lençol sobre o gramado que vai ficando clarinho.

Rita - Eu costumo dizer que é como um ritual.

Cleide – (fazendo o sinal da cruz)Aiiiiiiiiiii, então é macumba? Sarava? Credo em cruz! Valei-me minha Nossa Senhora da Piedade!

Rita – Claro que não sua boba, o que ritual que falo é o de quarar lençol que é como quarar nossa alma, deixar nossa alma pura e limpa sem mancha assim como o lençol.

Cleide – Menos mal. Agora entendi.

Rita – Você não entende nada dessas coisas de sabedoria do povo antigo né?

Cleide – E pra que?Ficar presa nessas coisas de costumes para ficar chorando um passado? Se nem acredito em um futuro.

Rita – Apesar de tudo acredito sim. Temos que acreditar se a gente não acredita quem é que vai acreditar pela gente?

Cleide – Eu até queria, mais a dor da saudade da separação, a dor não saber por onde ele anda, de não ter o seu endereço e de não perguntar como foi o seu dia!

Rita – De falar o quanto o amo, que o nosso neném já não é mais criança e sim uma moça feita. De fazer nossa oração, ali mesmo com a luz do lampião e agradecer a Deus por mais um dia! De sentir o cheiro dele.

Cleide- Assim como eu muitas pessoas esperam por esse abraço que nunca chega.

Rita – Assim como eu muitas mulheres esperam por seus esposos que saíram para outras cidades em busca de melhorias para sua família. Homens cansados de viver na miséria, fome e pobreza.

Cleide – Homens que esquecem o que deixaram para trás, ou se não esquecem fingem esquecer, pois muitas vezes a fuga é o triste remédio da realidade.

Rita - Mulheres do Norte, sul, Leste, Oeste.Mulheres que trazem no peito a dor da espera. Mulheres que criam seus filhos sem saber por anos do que foi feito aquela promessa de uma vida melhor, mais digna.

Cleide – Filhos que assim como eu, aguardam esperançosos de que a qualquer momento a chegada do seu pai. Filhos que sonham um dia receber o tão esperado abraço paterno.

Rita – Eu sou Rita, aguardando por quinze anos o retorno do meu marido.

Cleide – Eu sou Cleide, filha de Rita esperando por quinze anos a chegada de José meu pai.

Cleide e Rita - E nós duas, só nos resta ficar aqui, vai que ele volta. Se ele voltar, nós estaremos aqui de braços abertos e juntos vamos subir a serra e como fazíamos antigamente lá do alto vamos soltar nossa voz e cantar!

FIM

Lara Lua
Enviado por Lara Lua em 26/03/2014
Código do texto: T4744572
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