Olhos Semicerrados

Eles estavam extremamente entendiados. A luz havia acabado em aparentemente o bairro todo, então nada os atraia muito para o tempo passar mais rápido. Estavam em três, as duas meninas não se conheciam há muito mais de duas semanas, mas a amizade foi instantânea. Já o irmão de uma delas era como um estranho, muito mais velho, calado, sem paciência pra cortesias e coisas do tipo. A casa não era das maiores, mas era grande o suficiente para eles se isolarem num quarto sem serem incomodados. E o resto estava dormindo, o que ajudou a criar aquele silêncio que beirava o insuportável. Então eles resolveram sair.

Não passava muito das 23h, as ruas estavam mortas, e apesar de ser o auge do verão, um vento frio passava cortando qualquer pessoa que resolvesse abrir a porta de casa. Nenhum deles lembrou de pegar um casaco, então andar junto dava ao menos a impressão de calor humano, algo do tipo. Funcionou. As duas amigas conversavam muito, faziam piadas sobre tudo, comentavam sobre algo que aconteceu com elas mais cedo, tinham um mundo quase que particular. Pareciam mais irmãs do que a segunda e seu irmão de verdade, que até então não havia dito mais de duas, três palavras. Andaram cerca de dois quarteirões e meio, três no máximo. Quando notaram que chegaram a suar mesmo na noite fria, resolveram parar e explorar o local onde estavam.

Era um bairro calmo, agradável. Durante o dia, uma perfeita maquete de engenheiros pra cidade dos sonhos. A maioria das casas eram medianas, bonitas mas sem exageros. Algumas simples e uns prédios espalhados pelas esquinas, nada além disso. Rua estreita e cheia de árvores. Tantas árvores que para se ver uma estrela durante a noite, era preciso caçar uma fresta entre as folhas que quase formavam um teto acima do asfalto. Via-se gatos nos muros das casas. Todos quietos, mas com os olhos bem abertos, atentos. Isso chamou a atenção do irmão, sabe-se lá porquê. Foi aí que resolveram entrar. Viram uma casa simpática, por assim dizer. Uma cerca baixa de ferro com alguns adornos em formato de espeto, um pequeno jardim cheio de ervas daninhas e grandes janelas em formato cilíndrico, mas com base reta. Parede de tijolos desbotados, uns cinzas, outros marrom vivo, certamente vermelhos durante a luz do dia. Eles não saíram com o intuito de invadir nada, mas aquela casa estampava que estava vazia. As janelas eram enormes e podia-se ver que as luzes da sala principal estavam acesas, e espiando de fora, não se via movimento algum. Conta-se também o fato de que eles estavam um tanto quanto perdidos já, se aproximava da meia-noite e o frio começava a doer-lhes a garganta, então a decisão foi unânime: vamos entrar.

Olhando de fora, percebia-se que era um sobrado, isso não foi surpresa. Mas a vista da rua não entregava nada muito além de uma casa normal, três quartos talvez, uma grande sala, coisas do tipo. A porta de entrada ficava na extrema esquerda, com três degraus que levavam a um simples arco de madeira desbotada. Ao abrirem a porta, parecia mais um portal. Um salão enorme, redondo, com um grande mosaico em cinza e marrom no meio. Duas escadas luxuosas em branco de cada lado, ambas que levavam ao corredor acima, o qual tinha mais portas do que eles poderiam se lembrar depois. E entre as escadas, um corredor vertical. De alguma maneira, a luz onipresente do salão não chegava no corredor, o que o fazia muito escuro. Escuro, estreito e curto, por mais que a falta de luz não deixavam-lhes ver bem o final. Sete portas. Três de cada lado e uma no final, completamente escondida pela poeira. Todas estavam fechadas, a não ser a segunda do lado direito. Uma única porta aberta, e pelo aspecto da casa, eles não pensavam em arriscar abrir nenhuma outra.

Enquanto eles apreciavam o salão, procuravam um local aberto e ficavam semi encantados com tudo aquilo, o irmão notou algo deveras difícil de passar despercebido: um candelabro. Um candelabro enorme, com velas acesas em todos seus braços, os quais facilmente passavam de 100. Decorado com cristais, entalhado em milhares de símbolos e pequenas escrituras na sua estrutura, era algo digno de um palácio do século XVIII. E eles não notaram isso olhando do lado de fora, ou na varanda da porta, nem quando estavam completamente dentro da casa. De repente, aquela luz tornou-se algo quase impossível de aturar. Noite mais clara que aquela não existia em lugar algum, isso era certeza.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 23/03/2014
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