SAMUEL, O DUENDE
Fui para a casa de Gramado naquele fim de semana de conserto do vaso do banheiro do anexo da casa, que ficara vazando na última estada.
Descobri que o vaso acoplado estava rachado e “bingo”, resolvido o problema.
Para não contrariar o costume, dei uma passada na “Prolar”, loja de departamentos que tem de tudo; caminhei pelo centro mágico da cidade, que sempre me desperta a lembrança de uma cidade européia; passei no supermercado, visando a uma experiência de chef num prato especial para acompanhar o vinho tinto da Borgonha que deixara à temperatura ambiente. Esclareça-se: no outono Gramado impõe temperaturas européias. E, realmente, a temperatura da cidade estava em onze graus.
Distraído em “selar” o filé na panela de ferro, não me dei conta de uma batida insistente na porta da cozinha. Quando reduzi a intensidade do fogo, para virar o filé, a batida me chamou a atenção: parecia um pequeno animal jogando-se contra a porta. Relutei, mas resolvi abri-la. Olhei para o pátio e nada enxerguei. Quando fechava porta notei que algo estava impedindo o fechamento. Olhei para o chão e vi um pé diminuto, revestido por um calçado de pano, interpondo-se entre o marco e a porta. Diminuí a pressão e permiti que a porta fosse lentamente aberta. Aos poucos fui divisando, na meia luz, um ser impensável, com forma de pessoa, mas tão pequeno que improvável seria a existência dele. Entrou, examinou o ambiente, perguntou-me se havia mais alguém na casa, tomou conta de minha taça de vinho e acomodou-se na poltrona da sala.
Ante minha negativa sobre a presença de outras pessoas, pareceu-me relaxar. Permaneceu em silêncio por um bom tempo e, depois de dois goles de vinho, comentou:
- Cara, demorei para te encontrar! Do Guaíba Country Clube até Gramado é uma viagem de quebra-cabeças. Mas meus contatos são eficientes. Peço desculpas pela demora.
- Nem imaginava, respondi surpreso, de que estavas à minha procura. Não lembro de te ter visto no sítio do Country Clube.
- Por certo que não, disse-me ele. Somos discretos, não aparecemos tão facilmente, mas muitas coisas aconteceram lá por minha intervenção. Lembra quando teu filho de dois anos correu em direção à piscina e, num último momento, desviou o rumo para o lado da churrasqueira? Tu não me viste, mas fui eu que o empurrei na nova direção. Houve outras circunstâncias em que participei, mas seria enfadonho lembrá-las. Bom este vinho. Melhor do que tomavas naqueles tempos do sítio. Vou ficar por aqui. Há uma linda floresta aí nos fundos. Agora, se me permites, preciso descansar. A procura foi exaustiva.
- Tudo bem, disse, ainda espantado com a figura. Posso saber o teu nome?
- Samuel.
E como se tudo não passasse de algo surreal, ele subiu as escadas para o andar superior e não o vi mais.
Passei meses sem voltar à casa de Gramado, mas, da última vez, percebi que a garrafa do vinho tinto da Borgonha tinha sumido da geladeira.
Para não contrariar o costume, dei uma passada na “Prolar”, loja de departamentos que tem de tudo; caminhei pelo centro mágico da cidade, que sempre me desperta a lembrança de uma cidade européia; passei no supermercado, visando a uma experiência de chef num prato especial para acompanhar o vinho tinto da Borgonha que deixara à temperatura ambiente. Esclareça-se: no outono Gramado impõe temperaturas européias. E, realmente, a temperatura da cidade estava em onze graus.
Distraído em “selar” o filé na panela de ferro, não me dei conta de uma batida insistente na porta da cozinha. Quando reduzi a intensidade do fogo, para virar o filé, a batida me chamou a atenção: parecia um pequeno animal jogando-se contra a porta. Relutei, mas resolvi abri-la. Olhei para o pátio e nada enxerguei. Quando fechava porta notei que algo estava impedindo o fechamento. Olhei para o chão e vi um pé diminuto, revestido por um calçado de pano, interpondo-se entre o marco e a porta. Diminuí a pressão e permiti que a porta fosse lentamente aberta. Aos poucos fui divisando, na meia luz, um ser impensável, com forma de pessoa, mas tão pequeno que improvável seria a existência dele. Entrou, examinou o ambiente, perguntou-me se havia mais alguém na casa, tomou conta de minha taça de vinho e acomodou-se na poltrona da sala.
Ante minha negativa sobre a presença de outras pessoas, pareceu-me relaxar. Permaneceu em silêncio por um bom tempo e, depois de dois goles de vinho, comentou:
- Cara, demorei para te encontrar! Do Guaíba Country Clube até Gramado é uma viagem de quebra-cabeças. Mas meus contatos são eficientes. Peço desculpas pela demora.
- Nem imaginava, respondi surpreso, de que estavas à minha procura. Não lembro de te ter visto no sítio do Country Clube.
- Por certo que não, disse-me ele. Somos discretos, não aparecemos tão facilmente, mas muitas coisas aconteceram lá por minha intervenção. Lembra quando teu filho de dois anos correu em direção à piscina e, num último momento, desviou o rumo para o lado da churrasqueira? Tu não me viste, mas fui eu que o empurrei na nova direção. Houve outras circunstâncias em que participei, mas seria enfadonho lembrá-las. Bom este vinho. Melhor do que tomavas naqueles tempos do sítio. Vou ficar por aqui. Há uma linda floresta aí nos fundos. Agora, se me permites, preciso descansar. A procura foi exaustiva.
- Tudo bem, disse, ainda espantado com a figura. Posso saber o teu nome?
- Samuel.
E como se tudo não passasse de algo surreal, ele subiu as escadas para o andar superior e não o vi mais.
Passei meses sem voltar à casa de Gramado, mas, da última vez, percebi que a garrafa do vinho tinto da Borgonha tinha sumido da geladeira.