O homem não foi feito para o trabalho

Denise Larangeira

Graduada em Letras (Português-Inglês)

Pós-graduada em Língua Inglesa

TESOL Diploma (Teaching English for Students of Other Languages)

Professora de Inglês

Hora do lanche na repartição pública. Os funcionários tomavam o habitual cafezinho quando Jonas, bocejando e estendendo os braços para alongar o corpo disse:

_ Trabalhar é bom. É uma terapia.

_ Eu discordo totalmente, disse Nair.

_ Que é isso! Trabalhar nunca foi bom. Não sei quem foi o desocupado de inventou o trabalho, disse Carmem. (Risos) alguém perguntou:

_ Por quê?

_ O homem não foi feito para o trabalho. Se vocês observassem bem, a estrutura física e psicológica do homem não foi planejada para o trabalho, e sim, para o lazer. (Mais risos).

_ É verdade. O homem foi idealizado para viver de brisa, sombra e água fresca, tocando viola de papo para o ar.

_ Que papo é esse, Nair?

_ Na realidade o homem foi inventado para viver no Paraíso. Vejam bem, antes de criar o ser humano, Deus criou o Paraíso onde este ser humano iria habitar. Deus não poupou esforços nem imaginação. Ele povoou o Paraíso de seres e vegetação variados, lagos, vales, montanhas, rios e tudo o mais. Por último, Ele achou que o lugar já estava muito bom, digno de receber o primeiro habitante. E o que fez Deus? Criou o primeiro ser humano e colocou todo aquele Paraíso sob seu comando. Um belo dia, Deus percebeu que sua criatura perambulava triste e solitária e, assim Ele resolveu criar o segundo ser humano para fazer companhia ao primeiro. Por algum tempo as duas criaturas viveram felizes, despreocupadas, em perfeita harmonia desfrutando da terra paradisíaca.

Mas, tudo na vida tem um preço. Deus fez um acordo com suas obras pensantes (não muito inteligentes ou sensatas) dizendo-lhes:

_ Tudo isto lhes pertence e vocês podem usufruir como quiserem.

Os dois primeiros filhos de Deus estavam maravilhados, sem palavras diante de tanta beleza. E Deus continuou:

_ Tudo isto pertence a vocês; todos estes rios e os peixes destes rios, toda esta floresta com seus animais, plantas e frutas, exceto aquela árvore ali no centro. Estão vendo? Aquela de frutos vermelhos. Naquela vocês não podem tocar. Aquela árvore e todo o conhecimento que ela contém me pertencem. Só eu posso tocá-la e comer do seu fruto. Vocês entenderam? E, assim, Deus se despediu de seus primogênitos.

Logo que ficaram sozinhos os dois humanos começaram a explorar as maravilhas de seu habitat. Tudo era novidade. E assim passaram-se os anos sem preocupações ou aborrecimentos. A vida era só felicidade. Felicidade eterna. Até que um dia, após terem passeado muito, os humanos resolveram descansar à sombra de uma árvore. Neste momento, cruzou-lhes o caminho um animal que ainda não haviam visto antes: a cobra. O réptil inclinou a cabeça e, fitando os dois humanos bem fundo nos olhos disse-lhes:

_ Que casal mais lindinho! Vocês realmente formam um belo par.

Os dois humanos agradeceram meio amedrontados, meio lisonjeados. Aquele animal tinha uma aparência estranha e não muito confiável. A cobra pareceu ter-lhes lido os pensamentos e disse:

_ Vocês parecem muito felizes com tanta fartura de legumes e frutas, ah, e por falar em fruta, vocês já provaram a maçã? Os dois se olharam com um ar curioso e perguntaram:

_ Maçã? O que é maçã?

_ Oh, meus queridos, então vivendo todo esse tempo no Paraíso, vocês ainda não comeram a maçã?

_ Não, reponderam espantados.

_ Vocês não sabem o que estão perdendo. A maçã é a fruta mais saborosa, mais atraente, mais macia, mais... Ah, eu nem encontro palavras para descrever tamanha delícia!

Os dois ingênuos perguntaram curiosos:

_ E onde fica essa árvore que dá frutos assim tão...?

A cobra, passando a língua entre os lábios, respondeu:

_ Ora, meus amores, então vocês não conhecem aquela árvore no meio do jardim? Aquela de frutos redondos, vermelhos, cheirosos, carnudos... Ah, já consigo sentir o perfume das maçãs.

Os dois, que há pouco estavam alegres e empolgados ante a possibilidade de experimentar algo novo, foram tomados por uma tristeza profunda e ficaram em silêncio.

A cobra, muito astuta, perguntou:

_ Mas o que houve? Que carinhas são essas?

O primeiro humano respondeu:

_ Nós temos um acordo com Deus que nos permite comer de tudo neste Paraíso, exceto o fruto daquela árvore.

E o segundo humano acrescentou:

_ É verdade. Esse é o único fruto proibido.

A cobra disse com certo desdém:

Que nada! Que acordo é esse? Que mal há em provar uma frutinha tão inocente?

_ Não podemos quebrar nosso acordo com Deus, responderam os tolinhos.

A cobra nada respondeu. Apenas sorriu e retirou-se.

Passaram-se algumas semana. O humanos e a cobra não mais se encontraram, mas, as palavras do réptil ardiloso ainda latejavam em suas mentes pouco desenvolvidas. Para não cair em tentação, resolveram evitar qualquer caminho que conduzisse à árvore. Certa vez, enquanto caminhavam entre uns arbustos floridos, ouviram uma voz suave e melodiosa lhes chamando:

_ Venham, venham...

As criaturas foram seguindo a voz que parecia se afastar à medida que eles se aproximavam. E a voz continuava, "Venham, venham..." e eles foram, e, quando perceberam, estavam bem embaixo da árvore proibida. De repente, um fruto caiu em cima da cabeça do segundo humano. Era a maçã. Os dois imediatamente desviaram o olhar do fruto proibido, e já iam sair correndo quando novamente a voz suave, calma e terna proferiu:

_ Não tenham medo, meus queridinhos. É apenas uma maçã. A mais bonita que consegui. Oh, que pena que ela caiu no chão. Por favor, peguem-na para mim.

Os humanos hesitaram, mas a cobra insistiu:

_ Ora, que é isso, meus amores? Eu só estou pedindo a vocês que peguem a maçã para mim. Por favor.

Então, o segundo humano se abaixou e pegou a maçã, primeiro com a ponta dos dedos, com medo, mas, ao sentir a pele lisa e lustrosa da fruta, tomou-a nas mãos e a olhou avidamente. A cobra não perdeu tempo.

_ Não quer dar uma mordidinha? Uma só. Vamos! Experimente. Não há ninguém aqui além de nós. Vamos, morda! O segundo humano não resistiu à tentação. Mordeu. Ofereceu ao primeiro humano que também mordeu. Logo estavam comendo vorazmente todas as maçãs que seus braços conseguiam alcançar. Cravavam os dentes na polpa suculenta, macia e de sabor incomparável. Quando pareciam saciados, quase adormecidos, ouviram um estrondo. Era a voz forte e zangada de Deus:

_ Vocês me desobedeceram! Descumpriram suas partes no nosso acordo! Portanto, de agora em diante, não terão mais privilégios! Terão que trabalhar para se alimentar e continuar vivendo. Vocês vão pagar pelo pão de cada dia com o suor de seus rostos. E assim, o Criador expulsou as criaturas do Paraíso e deu-lhes como punição o trabalho.

Nem todos gostaram da conhecidíssima história que Nair contou "à sua maneira", mas, alguns deixaram a sala do lanche muito pensativos...

Denise Larangeira
Enviado por Denise Larangeira em 12/03/2014
Código do texto: T4725484
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