Semi autobiográfico. Parte 1. K. & L.
(continuação)
I – K. & L.
Não vou começar a história do começo. Por que, no final de contas, não sei nem onde ela começa. Sendo também péssimo com cronologias, vou fazer de ponto de partida dois casos cronologicamente bem distantes, mas que tiveram efeitos importantes na pessoa que sou hoje.
K. me destruiu minhas fundações. L. me abriu os olhos para novas.
Nunca existiram mulheres tão diferentes quanto essas duas...
E em três anos ou três meses, ensinaram-me coisas que eu nunca poderia ter aprendido sozinho.
K.
Sinto que devo falar primeiramente sobre K.
K. foi uma mulher importante em minha vida. Talvez a mais importante delas.
Com certeza foi a que causou mais estragos. Ao invés de contar toda historia deste caso de amor frustrado, sinto-me compelido a retratar apenas o seu término.
Tantas foram as contingências, situações boas e desagradáveis ligadas a este relacionamento que confesso estar confuso sobre como vim a me envolver com a tal moça. Não sei exatamente o dia que tudo começou, mas tenho vividamente na memória como nossa história acabou-se. Sem querer me alongar em divagações, partirei diretamente ao acontecido. O caro leitor tenha a bondade de me perdoar a prolixidade e a confusão das ideias, pois neste momento que escrevo, já trago em minha cabeça boa parte de uma garrafa de uísque.
Então, sem mais delongas, eis a minha história.
Dormimos juntos depois de um mês inteiro que eu havia passado longe.
Insistiu que lhe acompanhasse na noite de sábado. Pareceu pouco entusiasmada, mas eu não lhe disse nada. Beijava-me sem a intensidade costumeira, mas seu corpo ainda respondia com a mesma ferocidade às minhas caricias. Eu estava exausto e logo dormi.
Abraçou-me docemente durante a noite. Isto me fez acreditar que tudo corria bem. Acordamos depois do meio dia. Eu estava feliz.
Estive por um tempo, pelo menos, até perceber sua inquietude.
Sussurrou-me que tinha algo a me dizer. Sentei-me e esperei pelo pior.
Tudo aconteceu como eu temia que viesse a acontecer.
Mas por mais que já seja esperado, não ha como estar preparado para uma coisa daquelas. Ouvi tudo o que ela tinha a dizer, ouvi cada palavra sem replicar.
Cada justificativa, cada meia verdade, cada mentira... Ouvi tudo calmamente.
Por fim, eu que sempre tive algo a falar, fiquei sem palavras.
Recolhi as minhas roupas e as coisas que havia deixado espalhadas em sua casa e saí. Tentou ainda me reter com lágrimas e frases desconexas...
Mas parte de mim já havia saído. Segurou o meu corpo, talvez, mas meu coração que sempre fora dela, já havia saído porta afora.
Amei-a ainda uma ultima vez.
Beijei-a, com lágrimas nos olhos... Quis morrer ali. Quis sumir.
Ainda assim amei-a. Mordi-lhe o pescoço e o bico dos seios enquanto ela sussurrava meu nome. Queria pedir-lhe que ficasse. Que me deixasse ficar.
Quis rasgar-lhe a roupa para que não a vestisse mais.
Quis bater a porta, quis chutar-lhe o cachorro, quis dizer-lhe coisas impronunciáveis.
Por fim, não fiz nada.
Amei-a como um hipócrita... Como se nada tivesse acontecido antes.
Ouvi ainda uma mentira de sua boca antes de separar os nossos corpos.
Fingi que acreditei.
Vestiu-se... Tinha vergonha de me expor o corpo.
Como uma criminosa, como uma criança que tinha feito algo de errado escondia-me o olhar.
Perguntou se eu queria me reter mais um pouco com ela.
Estava cansado daquilo, mas quase disse sim.
Vesti-me rapidamente e procurei juntar um resto de dignidade para me arrastar para fora dali.
Sai de sua casa e ela me seguiu. Tentou parecer interessada ao discutir assuntos corriqueiros. Esperei ao seu lado a condução que me levaria definitivamente para longe dela. Estranhamente ela ainda me abraçava.
Veio então o ônibus. Beijou-me e pediu que lhe ligasse.
Não lhe liguei...
Nunca mais nos vimos.
L.
Ela me acertou na cabeça,
e eu não tinha nada para estancar o sangue.
Me atingiu com toda sua fúria.
Com ironia e frases elaboradas.
Ela deve ter passado muito tempo pensando em tudo... Eu acho.
O sangue escorria e eu procurava fazer algum sentido daquilo.
Ela me acertou e eu não tinha nada.
Nenhum soneto de escárnio, ou uma réplica bem encaixada.
Agora, eu só tinha perplexidade... E saudade.
Tinha uma varanda, uma lua pela metade e algumas latas de cerveja
de 3,50.
Tinha um longo dia amanhã e nenhuma vontade de dormir.
Ela me arrancou até o sono...
Eu tinha tido outras mulheres, é verdade. Talvez mais do que eu devesse ter tido.
Mas nenhuma como ela. Nenhuma com aquela brutalidade verbal.
Com toda aquela capacidade de agressão
toda aquela belicosidade...
Me pergunto o porquê de ainda estar atado a ela.
Em nossas discussões palavras voavam como facas do lado dela em minha direção.
Eu me esquivava como podia.
Em seguida caia em seus braços e esquecíamos aquilo tudo.
Até que tudo recomeçava.
Eu não sabia lidar com aquele tipo de mulher.
Com aquela mulher.
Talvez por isso
... eu a desejasse tanto.
Conheci L. no grande barril de bosta que chamamos de Internet.
Devo confessar que conhecia boa parte das mulheres que eu me envolvia pela internet.
Em geral eram amigas de alguma amiga que eu tinha numa daquelas redes sociais que eram moda na época. Esse era o caso de L.
Inicialmente tratou-me com uma frieza digna uma espartana. Por esse motivo praticamente esqueci que ela existia. Mas, de uma hora para outra, não lembro o motivo, começamos a nos falar com freqüência. Alguns meses depois estávamos nos braços um do outro.
L. era fria, mas na cama era totalmente o inverso.
Fazer sexo com ela me levava a outro mundo onde todos os relógios paravam e os céus mudavam de cor... Com todos os clichês embutidos.
Isso tudo para mim era uma enorme contradição, pois o carinho que me oferecia entre quatro paredes não era o que se esperava de uma mulher que fazia questão de manter a frieza e a rispidez no dia a dia.
Fazia questão de me cortar e de jogar baldes de água fria sempre que conversávamos sobre algo mais emocional ou quando lhe deixava claro o meu apreço por ela.
Dizia que não confiava nos homens. Que tudo que os homens faziam era com o objetivo de transar e que manter tudo no plano sexual seria mais fácil.
De vez em quando vinha com uns discursos feministas idiotas misturado em anglicismos e frases de impacto.
O feminismo apesar de sua suas boas intenções, terminou tornando mulheres interessantes em maníacas castradoras.
“The greatest harm can result from the best intentions.” (Se me permitem a intertextualidade com Terry Goodkind)
Me envolvi profundamente com ela. Ou com a promessa que ela representava.
Pelo menos no momento em que ela se deixava trocar alguma intimidade.
Pois bem. Eventualmente eu e L. entramos numa espiral descendente de discussões e brigas por motivos cada vez menores e certo dia nos separamos.
Em uma dessas brigas, ela fazia questão de ressaltar o quão dramático eu poderia ser e de certa forma emocionalmente egoísta.
L. estava errada em muitos pontos, mas devo confessar que depois de um tempo percebi que nesta questão ela estava certa.
O fim de nossa história, ou a enxurrada de palavras duras me tiraram o chão, como não acontecia já algum tempo. Aceitei o golpe bem, no entanto.
Ao fim, me embriaguei e me mantive bêbado por um ou dois dias.
Escrevi alguns versos, guardei-os em uma gaveta e segui em frente.
Para a próxima.
(Continua)