Mata Cavalo

A perna não pode fraquejar. No momento em que o juiz apitou a penalidade máxima todos os jogadores voltaram se para o arbitro alguns xingaram, outros comemoraram; Mata Cavalo congelou por um instante, o camisa nove, o centroavante do time varzeano Flor do Morro sabia que o peso da decisão do seu pé esquerdo era enorme. Respirou fundo, virou-se para as traves e elas lhes pareceram encolherem; como se fosse uma camiseta que se lava pela primeira vez, e o goleiro então, agora parecia ter três metros e meio, cara de mal, imaginou ser mais fácil enfrentar Anderson Silva no UFC.

Mata Cavalo odiava bater pênalti, ainda mais em um clássico, Flor do Morro contra Sete de Setembro, dois times do mesmo bairro, rivais, que já se confrontaram diversas vezes e possuíam um rigoroso histórico de vinte e três vitorias e dezessete empates para cada equipe, mas os últimos três enfrentamentos eram de derrotas e aquela cobrança ganhava uma vital importância.

O lateral direito entregou a bola em suas mãos, não percebeu, mas as mãos de Mata Cavalo tremiam, se fosse um cirurgião teria que suspender a operação, a bola parecia estar quadrada e pesar cinco quilos, vagarosamente e pensativo caminhou até a marca da cal, o jogo empatado em um a um, quarenta e três do segundo tempo, a dúvida alimentava sua cabeça, rasteira ou no alto, canto esquerdo ou direito, dobrou o corpo ajeitou a gorduchinha no gramado e recordações negativas retornaram a tona, como era corintiano lembrou-se de Marcelinho Carioca e a eliminação contra o Palmeiras na Libertadores, e o lance do Zico na copa de oitenta e seis, não era nascido mas seu pai sempre lhe falava do pênalti perdido pelo Galinho de Quintino, Mata Cavalo ergueu se procurou desviar o olhar de Manga, o goleiro, mal sabia que Manga é nome de um dos maiores guarda metas do Brasil , se soubesse teria dito que o destino estava contra ele, afastou se da bola com exatos sete passos inconscientemente fez uma analogia entre sete palmos de terra, tomou a clássica pose dos cobradores, as mãos na cintura, tinha decidido bater firme a meia altura no canto direito, um sopro no apito e veio a autorização e como alguém que recebe a sentença de morte seu coração disparou, a perna não podia fraquejar, iniciou sua corrida e a cada passo uma onda de medo percorria sua espinha, seu pé direito fincou no gramado dando sustentação ao seu corpo, sua perna esquerda disparou o chute mais importante de sua carreira de jogador amador, Manga saltou a meia altura no canto direito exatamente como a escolha que o camisa nove elaborou antes da cobrança, a gorduchinha viajou até o gol e Mata Cavalo com angustia no peito e o olhar vidrado a viu parar na rede, no fundo da rede e em seu rosto os traços da tensão desapareceram, no lugar brotou um largo sorriso, sua corrida em direção ao banco de reservas para comemorar o triunfo, como um profissional arrancou a camisa alvi e rubra e rodou em estado de frenesi, foi calorosamente abraçado; levou alguns tapas na cabeça, tudo era festa, se recompôs ainda com um sorriso bestificado voltou para o meio do campo, em agradecimento executou o sinal da cruz e deu graças a Deus de ter mudado sua escolha, bateu firme a meia altura mas no meio do gol, foi presenteado com o cartão amarelo por ter sacado a camisa, não se importava, estava feliz, o juiz reiniciou o duelo e para não se complicar após a saída terminou o embate.

Mata Cavalo encerrou sua domingueira bebendo cerveja com os amigos o estresse do momento decisivo havia acabado, o resultado agora fazia parte da história do clube.

Este conto faz parte do meu e-livro Paixão Redonda Futebol Clube, se gostou fique a vontade para baixar a obra completa visitando a minha escrivaninha.

Fabiano Sorbara
Enviado por Fabiano Sorbara em 04/03/2014
Código do texto: T4714790
Classificação de conteúdo: seguro