Goiano Matador

Dedicado ao meus amigos Araújo e Cícero, garimpeiro e morador da Vila de Serra Pelada, que enriqueceram essas e outras histórias que virão.

A eles um grande abraço.

Apresentação:

Ele era um cara falante, bom de prosa. José Araújo, apelido, Ojuara, e era mesmo por causa do filme “o homem que desafiou o diabo” que ele gostava de mais.

Mas, ele não era o Goiano não, Goiano era um cara com quem ele trabalhou, e que contou pra ele sua história.

E ele, que veio trabalhar comigo, virou meu amigo, e me contou a mesma história, que agora escrevo.

Goiano Matador

Sebastião, conhecido como Tião Goiano era um camarada bom, caseiro, trabalhador, carpinteiro dos bons, casado, tinha dois filhos e uma filha que era a caçula, Mariângela, Maria da sua mãe, e Ângela da mãe da mãe dela, e que era o xodó de goiano.

Tudo que o goiano fazia, era pra Mariângela, tudo que pensava era pra Mariângela, amava tanto a filha que o seu amor despertava ciúmes na mãe, sua esposa.

- Goiano homem de Deus! Para de ficar adengando essa minina, que ela não é mais nenhum bebe, desse jeito ce estraga ela”. “Vem Anja, cuida, cuida, vem lava logo essas vasia”

Mas Mariângela sentada no colo do pai, nem se movia.

E assim se foi passando os anos, e Mariângela cresceu e ficou uma menina danada de formosa. Tinha os olhos grandes, os cabelos negros, lisinhos como os da mãe, a pele morena, puxou do pai, do pai também herdou o sorriso, sempre alegre e cheio de vida. O corpo de Mariângela era um sonho, com os seus 13 anos, nem parecia, tanto lindo que era.

Na escola, Mariângela despertava a paixão dos garotos, dos professores e até o Diretor da escola passou a ser amigo de goiano, que desconfiado, caboco matreiro que era, nem dava por conta.

A desgraça da vida de goiano começou quando Mariângela fez 15 anos.

Era também dia de festa na cidade, tinha parque, barracas, carrocinhas, banda de musicas, e até uma dupla sertaneja, famosa no Brasil inteiro ia lá pra cantar e tocar.

Goiano e a família foram a festa, Mariângela com um vestido novinho, de chita florado e com babado no colo e nos ombros, tão bonita que dava gosto de se ver.

Agarrada de braços dado com pai, que mostrava um sorriso satisfeito no rosto de tanta felicidade.

Depois de passear de roda gigante, carrinho bate-bate, chapéu mexicano, comer pipoca, tomar refrigerante, sentou em um banco pra descansar.

Mariângela pediu dinheiro ao pai pra comprar uma maçã do amor, goiano tão cansado estava que deu o dinheiro pra Mariângela e nem se levantou pra acompanha-la.

Na hora de pagar a maçã do amor, uma voz atrás dela disse bem ao seu ouvido.

- Uma princesa dessa não precisa pagar uma maçã do amor, deixa que eu pago pra você.

Mariângela se voltou, olhando pro rapaz bem atrás dela,

- Não precisa não, eu tenho dinheiro - respondeu.

O rapaz sorriu, e o sorriso dele encantou Mariângela,

- Mas, se a moça deixar, eu faço questão, e mais, ganho pra você um ursinho de pelúcia no tiro ao alvo, se me acompanhar.

- Posso não, meus pais e meus irmãos estão me esperando, não posso demorar.

- Mas pelo menos a maçã você deixa eu pagar?

Os olhos verdes do rapaz e seu sorriso largo, de dentes brancos, cativaram a moça.

- Ta bem, já que insiste, vou deixar, mas é só isso, que eu não posso te acompanhar.

O rapaz pagou a maçã, Mariângela agradeceu e se afastou, mas o rapaz a seguiu, e pegando em seu braço a fez se voltar.

- Desculpe! - Sorriu ele com aquele sorriso de galã

– Me diga pelo menos seu nome.

- Me chamo Mariângela!

- E eu sou João, você mora onde?

- Na casa dos meus pais hora, pergunta mais boba a sua.

- E estuda onde, e não vai me dizer “na escola”.

Mariângela riu um riso solto, e o rapaz por um momento pensou que estava sonhando.

- Estudo no Colégio Estadual, no segundo ano, agora melhor você ir, meus pais estão logo ali.

- Olha, qualquer dia desses vou ao estadual pra te ver, pode ser?

- E eu é que vou saber? Quem tem de saber é você!

E sorrindo seu sorriso mais lindo se afastou, deixando João tendo certeza de que estava sendo correspondido com o mesmo desejo que crescia no seu coração.

E das buscas na escola, nas idas pra casa, passando pela praça, por de trás do chafariz, nasceu o primeiro beijo, de Mariângela e João.

Mas João não era boa pessoa não, traficante, comandava o tráfico de drogas nos bairro e adjacências, e muitos o conheciam, inclusive Goiano,

que já o havia visto entregando bagulho pra um companheiro de trabalho seu, que revendia.

E quando ele soube que a sua princesa estava namorando aquele sujeito, ficou muito triste, conversou com sua esposa, e resolveram conversar com a filha.

Mariângela chorou muito e de logo não acreditou no pai, nunca havia desobedecido aos seus pais e ficou sem saber o que fazer.

E para resolver a questão, goiano proibiu a filha de continuar indo a escola, até ela esquecer e eles resolverem o que fazer.

Mas João não aceitou, e um dia, escondido, bateu na janela do quarto de Mariângela, que de pronto atendeu.

- Vem comigo! vem, preciso conversar com você.

- Mariângela se vestiu e pulou a janela.

Ele a tirou do quarto, e montando em sua moto a levou, e foram pra beira da lagoa.

Lá Mariângela contou tudo o que seu pai havia lhe dito, falava e chorava, dizendo que eles não poderiam mais se ver.

Mas João não aceitou, disse que largaria aquela vida assim que conseguisse ajuntar uma boa grana, que já tinha bastante e faltava pouco pra poder montar a sua oficina de moto e que assim que montasse casava, mas, não conseguiria e o que não aguentaria era ficar sem ela, que ela que lhe dava força, e foi jurando amor, beijando e acariciando Mariângela, e foi assim que ela acabou conhecendo o prazer.

João convenceu a menina fugir e ir morar com ele, jurou que com o tempo, seus pais entenderiam e aceitariam, e assim seriam uma família feliz. Mariângela se convenceu, e combinaram tudo.

Era um domingo, a família de goiano se arrumou pra ir à missa das 6 horas, Mariângela disse que não iria que estava com muita dor de cabeça e por isso iria pro seu quarto deitar e dormir.

Quando eles voltaram, a mãe abriu de mansinho a porta do quarto e vendo a filha coberta até a cabeça com o lençol, não quis perturbar, fechou a porta e foi se deitar.

No outro dia pela manhã, goiano já havia saído pra trabalhar, e a mãe de Mariângela resolveu acorda-la, já que ela ainda não havia levantado.

Ficou surpresa e assustada quando chamou pela filha e não tendo resposta, levantou o lençol e não viu nada, só pano, abriu o guarda-roupa e nenhuma de suas roupas estava lá. Ela entendeu logo o que aconteceu, Mariângela havia fugido com João.

Sua vontade foi correr ao serviço de goiano pra falar, mas, resolveu que era melhor esperar o marido chegar pra contar.

Goiano ficou louco com a noticia, não entendia porque a sua princesa havia feito aquilo com ele, porque depois de tanto sacrifício, de tanto amor que ele lhe dera ela agiu assim. Queria ir procurar João e buscar a filha, mas com sabedoria, sua mulher conseguiu conte-lo. Convencendo-o a fazer isso na sexta, que seria feriado de finados.

Sexta-feira, goiano saiu cedo pra ir buscar a filha, já havia descoberto onde era o bairro e a casa de João, no seu coração a certeza que traria sua filha de volta, bateu na porta da casa.

Eles ainda estavam dormindo, João acordou aborrecido, foi atender, já pensando em dar uma bronca em quem estava perturbando àquela hora da manhã.

Ficou assustado ao ver goiano na sua porta.

- O que o senhor está fazendo aqui seu goiano?

- Eu vim buscar a minha filha, cadê ela?

- Ela está deitada e não vai com o senhor, é melhor voltar pra sua casa.

- Eu não saio daqui sem a minha filha, vai buscar ela.

- Olha aqui seu goiano, eu vou repetir mais uma vez, Mariângela agora é minha, e não vai voltar pra sua casa, é melhor ir embora.

- Pois eu vou leva-la de qualquer jeito, sai da minha frente.

Goiano tentou entrar na casa, mas foi empurrado por João.

Com os gritos Mariângela acordou e correu a porta pra saber o que estava acontecendo.

Ao ver seu pai tentando agarrar João gritou assustada.

- Pai... - O que esta acontecendo aqui?

- Minha filha eu vim te buscar, vamos pra casa que a sua mãe está te esperando, vamos.

- Amor, eu falei com ele que você está bem e que vamos nos casar, diga pra ele.

- É verdade pai, eu e João vamos nos casar, vai ser uma festa bonita, a você e a mãe vai gostar.

- Filha você não pode casar com esse camarada, ele é um bandido, traficante, assassino, é isso que você quer?

- Bandido não, você não pode provar nada, pode?

- Pai, ele vai parar, vai montar uma oficina de moto, vai trabalhar legal, fala pra ele amor, fala.

- É isso ae, pode crer coroa, é isso ae.

- Ta vendo filha, ele ta mentindo pra te enganar, vamo simbora, vamo, o pai vai te levar.

Goiano avançou pra pegar o a filha, mas João, batendo em seu braço o afastou, goiano insistiu e ele o empurrou, goiano novamente tentou e João colocando as duas mãos em seu peito o empurrou com força e ele caiu.

- Para pai – Mariângela gritou

Mas goiano cego de raiva partiu pra cima de João e deu-lhe um soco, João cambaleou pra traz e caiu, mas deu uma rasteira em goiano que também foi ao chão.

João era jovem e forte, levantando rápido deu um chute no estomago de goiano e pegando-o pelo braço o levantou, deu-lhe um soco no rosto que o jogou novamente ao chão.

João correu em casa e voltou com uma arma na mão.

- Vai embora velho, some da minha vista que não quero te matar, vai!

Goiano se levantou, a boca sangrava, mas seu coração sangrava muito mais, vendo sua filha parada, sem fazer nada, vendo-o ser ameaçado e humilhado.

Foi se afastando sem olhar pra traz, mas o amor já se apagava do seu coração, e no lugar, um ódio brotava, devagar, queimando seu peito, uma dor tão grande que nem sentia vontade de gritar, só de se vingar.

Goiano chegou a casa, sem falar nada, sua esposa tentou ajudar, mas ele a afastou, ele nunca havia apanhado na vida, só do pai e da mãe, quando menino, depois de crescido, seu pai o pegou por nada, a surra foi grande, ficou quebrado, mas alguns dias depois foi embora e nunca mais voltou.

Depois desse acontecido goiano de fechou em si, mal falava, mal comia, entrava e saia, trabalhava e voltava, mas algo dentro dele mudava.

Goiano conversou com o companheiro da obra, o tal que comprava droga de João, e ele, sem saber de nada vendeu uma arma pra goiano, era um 38, carregado, Goiano disse que era pra um amigo, e ele acreditou.

Goiano pediu pra ser dispensado do trabalho, disse que ia fazer uma viagem longa pra resolver problemas de família e demoraria a voltar, ele era muito carpinteiro, mas o encarregado pra ajudar, atendeu o seu pedido.

Quinta-feira à noite, goiano saiu de casa, era mais de meia noite, e a mulher nem acordou,

Goiano foi até a casa de João, mas não o chamou, abriu a porta dos fundos e foi até o quarto, a porta estava destrancada, Goiano entrou, sua filha, gemia e gritava, estavam fazendo amor.

Goiano chamou.

- Olha pra mim safado, que ta na sua hora de morrer.

João se virou e olhou pra goiano, que atirou, o tirou acertou o peito. Mariângela gritou! Goiano atirou de novo, dessa vez entre os seios da sua princesa, Mariângela viu o sangue jorrando, sem acreditar, não conseguiu gritar.

Goiano chegou perto da cama,

João falou! – Faz isso não cara, faz isso não.

- Você bateu na minha cara safado, e em cara de homem não se bate não, e deu outro tiro.

- Você roubou meu maior tesouro, era tudo que eu tinha, e ninguém me rouba não, deu o terceiro tiro no coração.

- E você minha filha, me perdoe, mas não posso deixar você viver perdida não, você escolheu ele, pois fique com ele, pra onde ele for.

E deu o mais dois tiros nela, sentou na cama e, pela primeira vez na vida Goiano chorou.

Depois levantou, deixou a arma na cama, derramou gasolina cama e pelo chão do quarto, foi até a cozinha, cortou a mangueira do gás, acendeu o fosforo e tocou fogo na casa, saiu pela porta que entrou, pegou a moto de João e se mandou.

Abandonou a moto, foi até a rodoviária, já havia comprado passagem pro Pará.

Ouvira falar na obra sobre o garimpo em Serra Pelada, e sem saber onde era, só que era no Pará, resolveu que ia pra lá.

Muitos iam pra Serra Pelada em busca de ouro, e como diziam, enricar.

Goiano não ia em busca de ouro, não ia em busca de nada, só de esquecer, esquecer sua princesa, sua família, seu nome, seu passado, enterrar sua vida.

Goiano queria esquecer, mas sem saber, uma nova e diferente vida iria começar, só mudava de estado, de cidade, de lugar.

fim

Antonio Candido Nascimento
Enviado por Antonio Candido Nascimento em 20/02/2014
Reeditado em 10/03/2014
Código do texto: T4698569
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.