VELHOS HÁBITOS
Não que fosse privilégio meu tomar café requentado na pensão de dona Lina. Todos os hóspedes tinham-no. Por ser o mais antigo reivindicava sempre a primeira xícara, pois da metade do bule para o final a borra piorava o gosto já intragável da mistura. Ríamos da intransigência dela em não atender minha reivindicação. “Vê se tem cabimento!”.
Segundo mais antigo, Marivaldo fez um estrago monetário e atacou a prateleira do supermercado certa vez. Comprou várias caixinhas de cafés já prontos: cappuccino, com leite, descafeinado e para arrematar um pacote com selo de “orgânico”. Rachamos a despesa em solidariedade. Encarregamos Marlon, o gago, para realizar a entrega solene. Em “nonosso nonome” ele a fez.
No dia seguinte, à hora costumeira sentamos nos lugares habituais à espera do banquete rubiáceo. Começamos estranhar. Da cozinha, nada do aroma esperado: frutado, frescado e com notas sei lá do quê. Ângelo, circunspecto professor de secundário, deixou de lado a natural reserva para pilheriar. “Dona Lina vai virar barista?”, tascou. Achei que não, pois notei o velho bule incólume vindo em nossa direção. Então, tratei de erguer minha xícara, uma das primeiras.