Ritual
Oeste da Escócia. Final do inverno. O clima ainda estava frio, havia geado a menos de uma semana, mas o estrepeiro estava florido. Era tudo o que importava, era o sinal de que o tempo frio estava terminando e a temporada de plantio iria começar. Era o sinal que Brighid mandara. As mulheres já haviam colhido os juncos, e agora os trançavam para formar as cruzes que seriam penduradas nas casas. As cruzes do ano anterior seriam atiradas ao fogo, para queimar o velho e deixar o novo entrar. Uma boneca feita com uma colher de pau já estava preparada para representar a Brighid da chegada da primavera. Lenços brancos haviam sido deixados do lado de fora da casa na noite anterior, e captado as gotas de orvalho, as últimas bençãos do inverno, quando a deusa de tripla face protetora do lar passava deixando suas bençãos. Eles trariam saúde aos doentes e conforto aos necessitados. Pratos feitos do leite recém-coletado das ovelhas alimentariam o festejo. Com todos dentro de casa, e a boneca posta ao lado da lareira, uma mulher bate três vezes à porta; “Abram, abram, é Brighid quem bate!!”; ao qual todos respondem “Seja mil vezes bem-vinda, nobre senhora!” A mulher adentra a casa, e todos começam um cântico à deusa dos poetas, dos ferreiros, e dos curandeiros. O Imbolc estava começando.
Morbihan. Bretanha Francesa. Primeiro dia de maio. Todos estavam se reunindo na centro do povoado. Homens, mulheres, crianças. Mulheres tinham as tranças nos cabelos decoradas com flores, e o clima era alegre. Homens haviam trazido tonéis de vinho e barris de hidromel. A noite estava caindo rápido, mas tudo já estava preparado, e a área central era iluminda por archotes presos ao chão. No meio, tendo uma boa distância uma da outra, duas fogueiras estão apagadas. Quando o sol se põe e o primeiro raio de lua surge, as fogueiras são acesas. Logo as chamas estão altas e poderosas. As pessoas ao redor começam a cantar, e os fazendeiros trazem seu gado, sua fonte de renda e vida. Um a um, eles fazem com que os animais passem entre as duas fogueiras, em uma purificação pelo fogo, e um pedido de proteção aos Deuses pelo restante da estação, até a colheita. O tempo todo, o processo é acompanhado por músicas alegres e palmas. Quando os animais terminam de passar, é a vez das pessoas. Os músicos pegam seus instrumentos, e as gaitas-de-fole bretãs começam a soar na Fez-nouz. As mulheres e os casais começam a dançar entre as fogueiras, em ritmo de andro, e a alegria pela estação mais quente do ano é visível.
Sul de Gales. Meio do inverno. A procissão estava pronta, apesar do clima gelado. O hálito dos homens congelava no ar, e criava pequenas camadas sobre suas melhores roupas. À frente de tudo, estava a rainha da ocasião: um crânio de cavalo, montado sobre uma armação de madeira, recoberta com um manto branco, e ornamentado com fitas coloridas e guizos que faziam barulho. Ela era a deusa-égua, a mãe que cavalga na noite mais escura em busca de seu filho, a criança solar que trará novamente o calor ao mundo. Hoje ela recebe um nome cristão, Mari Llwydd, a “Maria Cinzenta”, mas sua procissão é o eco de uma lenda muito mais antiga, de Rigantona, a “Grande Rainha”. A procissão começa a andar, a Rainha à sua frente. Os cânticos que a acompanham são em galês, uma língua que não é mais usada por eles no cotidiano, mas que ainda era a língua da tradição de seus ancestrais. Eles bateriam de porta em porta, de casa em casa, esperando que a Grande Rainha Égua fosse louvada nesta noite de Solstício de Inverno.
Qualquer grande cidade. Época atual. A garota entra em seu quarto, e tira os sapatos. Ela não tem muito tempo, mas sabe o que precisa fazer. Ela estende o tapete em frente à mesa, onde há um caldeirão, e uma imagem de sua deusa de devoção pessoal. Ela abre uma bolsa de veludo verde, de dentro, ela tira uma vela. Ela a coloca sobre um pires, e para por um momento. Respira fundo, controlando a respiração, de olhos fechados. Pede aos Deuses que ouçam seu apelo. Ela risca um fósforo, o baixa reverentemente, fazendo parecer com que a chama desce dos céus para iluminar a vela. Com a vela acesa, ela queima o incenso de zimbro, e circula o quarto com ele, pedindo por proteção. Então, ela faz a sua oferenda aos Deuses da ocasião no caldeirão. Mel, leite, canela. Ela então se ajoelha diante da imagem de sua deusa, e ora a ela, pelo novo ciclo, por sua vida e por aqueles que lhe são queridos. Fica um tempo parada, de olhos fechados e braços abertos. Quando sente que há uma resposta, ela abre os olhos. É a hora de consultar os oráculos.
Lugares diferentes. Épocas diferentes. Práticas diferentes. Mas ainda assim, semelhantes. Ainda assim, rituais.
Publicado originalmente em barddkunvelin.wordpress.com