Século XIX, meados do ano de 1822; Em meio às grandes instabilidades causadas pelo receio da recolonização brasileira por parte de Portugal, eis que na província de São Paulo, à cerca de 20 kilômetros das margens do Ipiranga, havia a enorme fazenda do Coronel Luis Silva, um homem corpulento e muito truculento, de média estatura, que possuía uma enorme barba e que tinha uma voz rouca e estridente. Falava alto, tão alto, que, na verdade, mais esbravejava que falava! O sinhôzinho Coronel era um fanático pelo movimento independencialista.
Dizia ele:
- Para manter esses bonecos da Lusa-nobreza, estoura-me os calos da mão!!! (calos???) E eles ficam lá, o rei com aquela pança enorme que num cabe no cueiro e o bando de parasita em volta do barrigudo, rindo dos arrotos que o maledito dá! Um absurdo! Chega dessa imundiça Eropéia ficá aqui, rancando nosso coro! Precisamos da independência, agora! Alguns comerciantes e doutores da provincia que se reuniam com o mesmo para conversarem sobre política, concordavam submissamente com ele.
Sempre que o Coronel estava reunido com seu grupo político, como nesta ocasião, lá do lado de fora da Casa Grande uma figura negra, franzina, suja e maltrapilha, se aproximava sorrateiramente do vão da janela e equilibrava-se sobre uma perna, sem que ninguém notasse sua estranha presença. O intuito deste projeto de saci era, na verdade, ficar escutando aquela gentália grã-fina falar sobre seus anseios de liberdade para a então colônia brasileira.
Essa figurinha avessa era um escravo de meia idade, nascido talvez lá pelos lados de Minas Gerais, apelidado pelos outros negros de Preto Chico. Ele era o típico malandro da senzala, dava uma escorregada do serviço quando o Coronel não estava de olho (isso lhe custava umas chibatadas de vez em quando) e gostava de ouvir as prosas da gente fina, pois, considerava lá no seu íntimo que ficaria culto e admirado por todos, se aprendesse por si só as finezas da gente branca.
Sendo assim, toda vez que a elite se reunia na casa do Coronel para prosearem sobre os rumos da política colonialista portuguesa, mais que depressa Preto Chico dava um "migué" nos afazeres da fazenda e corria à espreita na janela para escutar e gravar na cuca as palavras pomposas e bonitas que a gente fina falava.
De orelha em pé, Preto Chico ouvia atentamente o Coronel Luis falar algo sobre independência e seu genro, um advogado que morava na Capital, balbuciar palavras sobre liberdade. Desta forma, muitas coisas se passavam pela cabeça de Preto Chico.
Derrepente, passa ao lado da Casa Grande e bem em frente à janela onde o danado do Preto Chico se encontrava debruçado, um crioulinho carregando um saco às costas e o qual grita bem alto:
- Preto Chico desgraça, se sinhôsinho te pega aí, cê tá no tronco seu merda!
Mais que depressa o finório Preto Chico pula de onde está e corre como um capeta para o meio da lavoura, com receio de que o Coronel lhe pegasse em flagrante delito. Passado alguns minutos, seu coração já começava a bater normalmente após o susto causado pelo "X9" da senzala. Debaixo do sol quente, o astuto Crioulo tentava assimilar os dizeres sobre a independência e a liberdade dos quais escutou na reunião dos sinhôzinhos.
No dia seguinte, uma figura muito importante da região, o qual mora na capital, foi vistar o Coronel Luis; este era o produtor da famosa cachaça independência, muito apreciada no Brasil da época. Seu nome era sr. José Bustamentes, também um fanático independencialista e que gostava de prosear com o Coronel à respeito de política e principalmente sobre o fim do colonialismo Lusitano. Este também era muito conhecido pelo seu famoso bordão o qual o empregava quando um cliente lhe pagava alguma mercadoria que dele comprara: Ah Liberdade!
Bom, mais que depressa Preto Chico percebe a presença do famoso produtor e corre ao vão que dá à janela da sala de reuniões do Coronel, para escutar a conversa dos dois fidalgos:
- É Zé - disse o Coronel - num guento mais essa nossa situação. Trabalho duro para sustentar uma cabanda de Pavão que agora mora do outro lado do oceano!
Então, José Bustamantes responde:
- O sr. está certo Coroné, se tivéssemos homi de peito nessa colônia, não estaríamos há tanto tempo nessa situação!
Então o Coronel, com um certo ar de sarcasmo, retruca:
- Quer saber meu caro amigo do alambique? " Ah Liberdade" ao homem que nos trouxer a independência!...
Mal o Coronel pronunciou a última letra da frase, eis que o "X9" da senzala estava de passagem no mesmo lugar e novamente inferniza a vida de Preto Chico:
- Preto Chico safaaaado...
E mais uma vez o figurante da obra de Monteiro Lobato pula de onde está e some no meio da lavoura...
Contudo, desta vez Preto Chico estava eufórico, pois, ouviu as palavras do sinhôzinho dizendo que dará a liberdade para quem trouxer a independência:
- Vô consegui a tar da independência - pensou Preto Chico -. O sinhôzinho vai ficar gurlhoso de muá. Inté hoje eis me trata como mundiça, como bosta que num vale nada. Vou monstrar pra todo eles que eu sou firno! Vô se Preto Livre, aforriado!
Depois disso, no dia 06 de setembro de 1822, o genro do Coronel Luis, o tal advogado residente na capital da Colônia que à época era sediada na cidade do Rio de Janeiro e o qual se chamava Dirceu Lopes e era outro adepto incontestável do independencialismo, foi à fazenda do Coronel, chamando-o afoito:
- Coronel, Coronel - gritava ele.
O Coronel chega às pressas na porta da Casa Grande e esbraveja:
- Que gritaria é essa homi? Quem morreu?
Dr. Dirceu, quase sem ar, sobe as escadas para se encontrar com o Coronel e diz:
- Ninguém morreu Coronel, ainda! Pode ser que muitos irão morrer!
- Mas que papo é esse homi? Perdeu o juízo? - Retrucou o Coronel -.
No meio dessa discussão, Preto Chico percebe que há algo estranho no ar e despistadamente chega bem próximo à escada para averiguar a situação, porém, desta vez a conversa estava sendo ao ar livre e ele tinha que tomar muito cuidado para não ser pego bisbilhotando.
Então, o Dr. Dirceu disse ao Coronel:
- Meu sogro, tenho uma incrível notícia! Tô indo me encontrar com o príncipe Pedro. Tenho umas correspondências para lhe entregar (acharam melhor pedir a uma pessoa influente para ser o portador das cartas). Meu caro, pela agitação e urgência que me pediram para entregar estas correspondências, creio que a independência está à vista! Ou virá uma grande revolta... O Sr. José Bustamantes foi à frente, para encontrar também com o Príncipe. Vou topá-lo às margens do Ipiranga, quando ele estiver passando por lá, vindo de Santos.
Preto Chico ouvia atentamente a conversa dos dois senhôzinhos e pensava consigo:
- Disgraça! Se eu num apreça o passo, não consigo alcança a tar da idependença e vô perde minha nega no limpo! Tenho que me espichá logo!
Já estava anoitecendo. Dr. Dirceu iria pernoitar na casa de seu sogro e nessa noite o danado do Preto Chico irá driblar os capatazes da fazenda e dormir fora da senzala, pois, na sua fértil imaginação, ele chegará na frente dos sinhozinhos para esperar a passagem de Sua Alteza e chegar primeiro na briga pela independência.
Amanhece o dia 07 de setembro de 1822. Preto Chico esperava ao longe, numa moita, a passagem de Sua Majestade e sua comitiva. Algumas pessoas já estavam posicionadas, entre elas, o Sr. José Bustamantes. Na face de todos resplandecia certa preocupação e euforia. Na moita, Preto Chico já estava quase branco de tanta ansiedade e medo!
Ao longe, aparece um cavaleiro cavalgando bem devagar; Era o Dr. Dirceu, genro do Coronel. Dr. Dirceu apeia de seu cavalo, cumprimenta aos que ali estavam e diz a todos que o Coronel irá chegar atrasado, pois, ficou retido na fazenda por causa de um imprevisto ocorrido de última hora.
As horas passam, a ansiedade pela passagem do príncipe aumenta. Derrepente, eis que surge ao longe a comitiva real. O alvoroço toma conta do lugar. Preto Chico que estava o tempo todo de cócoras, agora inclina-se em posição de um corredor olímpico.
Finalmente, a comitiva topa com os afoitos sinhôsinhos que o esperavam e Dr. Dirceu, mais que depressa, reverencia Sua Majestade e entrega-lhe as históricas correspondências, as quais eram: uma de seu pai, vinda de Portugal; outra do Ministro José Bonifácio e outra de sua esposa Maria Leopoldina. Após lê-las, o Príncipe Pedro olha para a multidão à sua volta, inspira e, para entrar de vez na história, diz as Palvras:
- INDEPENDÊNCIA OU MORTE!!!
Essas duas palavras ecoaram sobre o rio Ipiranga e à multidão explodiu alvoraçada em euforia e alegria.
Em meio à celeuma, surge da moita, como que um felino sedento de sangue, o estabanado Preto Chico, que corre em direção ao Príncipe e à multidão eufórica. Quando já estava praticamente aos pés do cavalo de Sua Majestade, eis que Preto Chico diz outra frase que ecoará pela história e ficará para sempre marcada nesse momento histórico:
- Bicho diabo, a morte ceis fica com ela, a independença eu levo embora!
E o atrapalhado crioulo, passa pelo cavalo do agora D. Pedro I e chega ao cavalo do Sr. José Bustamantes, metendo a mão em sua bagagem e logo afanando uma garrrafa de sua cachaça INDEPENDÊNCIA.
Como um curisco em meio à multidão, Preto Chico corre em direção ao mato, quando é interceptado por um pontapé certeiro entre suas pernas. Ao rolar pelo chão, (com estilo, diga-se de passagem, pois, não deixou a independência se quebrar) ele escuta uma velha e conhecida voz, que mais parecia um trovão:
- Nêgo disgraçado, vagabundo.. Seu criolo preguiçoso e agora ladrão... Tava com os capatazes te procurando pela fazenda toda, sua bosta, porque me disseram que ocê num tinha ido pra lavoura hoje cedo e talvez tivesse fugido; projeto de peste!. Por sua causa, perdi a proclamação da Independência, sua imundiça!
Com os olhos arregalados e entre os tapas que os jagunços do Coronel lhe davam, ele tentava se justificar:
- Sinhôzinho, num castiga Preto Chico não, vim buscá a independença que o Sinhôzinho queria, pra móde eu ganhá a liberdade e seu coroné ficá contente.
Enfurecido, o Coronel disse:
- Cala boca, seu estrume de vaca! Só num te mato aqui agora, porque tamo na frente de Sua Majestade. Cê qué liberdade? Vou te mostrar liberdade hoje, seu nego imundo, fio duma vaca preta! Capataz, leva esse criolo pro tronco e mostra pra ele o que é liberdade! E passa pra cá essa garrafa, por que hoje é um momento histórico que merece comemoração e num é a toa que temos uma garrafa de cachaça chamada independência! É o destino! E pra você, criolo, a independência vai cumê no seu coro!
Os jagunços do Coronel então levaram o pobre do Preto Chico para a fazenda, à base de pancada. Chegando lá, logo o amarraram no tronco e as chibatadas começaram. Preto Chico, devido a sua malandragem, já era acostumado a levar umas chibatadas, porém, nesse dia a coça foi pra lá de violenta e até mesmo ele que já estava acostumado a apanhar, arriou com tamanha brutalidade.
Preto Chico iria passar três dias no tronco, por determinação do Coronel, mas pela coça ele levou, muitos dos outros criolos na senzala achavam que ele não passaria daquela noite. Uma coisa era certa, se eles fossem continuar a exemplá-lo no dia seguinte, era adeus ao Preto Chico.
Durante a madrugada, enquanto Preto Chico oscilava entre estado de consciência e insconsciência, eis que surge na escuridão uma figura em forma de mulher, brilhante como o sol, a qual veio se aproximando de Preto Chico. Ela tocou seus ombros bem devagar e disse ao seus ouvidos:
- Querido Preto Chico, não tenhais medo, estou aqui contigo!
Preto Chico, estava atordoado e confuso, pois, nenhuma mulher negrinha antes ao menos uma vez na vida o chamou de querido, imagina uma moça branca, linda, bem vestida, o chamar assim? Ele pensava consigo que, ou estava delirando ou havia morrido e estava vendo um anjo.
Então, Preto Chico perguntou:
- Quem é vosmicê sinhá?
Ela respondeu:
- Eu sou o que muitos homens aspiram e procuram, eu sou a liberdade.
- Liberdade? - murmurou preto chico .
- Sim meu querido, eu sou a Liberdade. - ela resondeu novamente.
Preto Chico falava quase nada, mas não porque ele não quisesse, na verdade, a cabeça dele estava fervilhando de dúvida, mas devido a çoça que levou, ele estava muito fraco e mal conseguia balbuciar algumas palavras.
- Querido Preto Chico, - disse a liberdade - , não tenhas medo, você e sua geração serão vingados dessas atrocidades cometidas por esses homens cruéis deste tempo. Num futuro próximo, surgirá um homem negro, íntegro, chamado Joaquim, o qual terá poder pra julgar tanto os homens negros quantos os brancos desta terra e ele punirá com mãos de ferro todos aqueles que colaborarem para a miséria do povo e sua exploração, bem como pela sua marginalização. Isto eu te prometo nesta noite!
Preto Chico, com os olhos vermelhos e inchados devido as pancadas, vagarosamente olha para a face da liberdade. Buscando o restinho das forças que havia lá no fundo de sua alma, ele diz para a Liberdade:
- Sinhá, Preto Chico num sabe nada. Num sabe lê, num sabe escrevê. Tinha uns quatro anos quando mi tomarum de minha mãezinha e me levaram lá pros lados de Minas Gerais. Sem minha mãe, tive que aprender a ser espertu para móde sobreviver nesse mundão. Acabei sendo comprado pelo sinhôzinho Coroné Luis e vim pra cá. Oia, a vida inté aqui me ensinou a cê espertu. Entoces, oia só, ocê disse que é a Liberdade. Só sei que eu achava
que com a independença comprava ocê. Mais num é não! Por causa disso tô quase morto aqui. Na verdade, é ocê que compra a independença. Pode perguntá pro sinhôzinho Zé Bustamante se num é verdade!. Intoces, a independença que o príncipe disse num compra a aforria. Intoces Preto Chico continua no tronco.
- A sinhá disse, - Preto Chico continua -, que um tar dum criolo chamado Joaquim vai vim julgar os omi branco e preto tudo junto e vai fazer justiça pra nóis. Oia, preto mandar em branco, essa eu queria vê! Também, lá nos Minas Gerais, quando arguém era um traíra, o persoal chamava ele de Joaquim, nem sei perquê! E Joaquim era o nome do capeta do criolinho que vivia me derdurando pro sinhôzinho quando eu perdurava na janela para ouvir as cunversa do pesoar fino. Intoces, sinhá Liberdade, ocê sabe quando que isso que a sinhá disse vai acontecê? Só no dia que o omi andá na lua!
Terminado esse diálogo com a liberdade, Preto Chico enfim se tornou um homem livre...
(Moral da História: As vicissitudes do cotidiano podem nos levar a um descrédito total; descrédito em nós mesmos, nos valores tradicionais os quais acreditamos, na política, na sociedade, nas autoridades constituídas, nas instituições, enfim; há uma necessidade de um grande eforço intelectual e moral de nossa parte para não desanimarmos e continuarmos firmes na fé de que podemos melhorar nossa nação a cada dia, dependendo de nosso esforço também em prol desta transformação).
P.S.: Não há nenhuma crítica dirigida aos possíveis persongens históricos ou contemporâneos mencionados neste texto. As analogias feitas com os personagens, predominantemente recheadas de fatos fictícios, serviram apenas para eriquecer a dinâmica do texto e tornar a mensagem inteligível ao leitor. Também, em algumas partes do texto, os termos racistas e pejorativos empregados, hoje corretamente condenáveis pela sociedade contemporânea, foram utilizados nessa narração com o intuito apenas de ilustrar um momento histórico que mancha nosso passado e o qual devemos lutar para que desapareça de nosso vocabulário usual, principalmente no trato com os nossos semelhantes, deixando os mesmos apenas no passado e nos contos dessa história tenebrosa. Enfim, lutemos por um Brasil mais justo, digno, sem violência, sem racismo, sem corrupção e "Super-desenvolvido".
Dizia ele:
- Para manter esses bonecos da Lusa-nobreza, estoura-me os calos da mão!!! (calos???) E eles ficam lá, o rei com aquela pança enorme que num cabe no cueiro e o bando de parasita em volta do barrigudo, rindo dos arrotos que o maledito dá! Um absurdo! Chega dessa imundiça Eropéia ficá aqui, rancando nosso coro! Precisamos da independência, agora! Alguns comerciantes e doutores da provincia que se reuniam com o mesmo para conversarem sobre política, concordavam submissamente com ele.
Sempre que o Coronel estava reunido com seu grupo político, como nesta ocasião, lá do lado de fora da Casa Grande uma figura negra, franzina, suja e maltrapilha, se aproximava sorrateiramente do vão da janela e equilibrava-se sobre uma perna, sem que ninguém notasse sua estranha presença. O intuito deste projeto de saci era, na verdade, ficar escutando aquela gentália grã-fina falar sobre seus anseios de liberdade para a então colônia brasileira.
Essa figurinha avessa era um escravo de meia idade, nascido talvez lá pelos lados de Minas Gerais, apelidado pelos outros negros de Preto Chico. Ele era o típico malandro da senzala, dava uma escorregada do serviço quando o Coronel não estava de olho (isso lhe custava umas chibatadas de vez em quando) e gostava de ouvir as prosas da gente fina, pois, considerava lá no seu íntimo que ficaria culto e admirado por todos, se aprendesse por si só as finezas da gente branca.
Sendo assim, toda vez que a elite se reunia na casa do Coronel para prosearem sobre os rumos da política colonialista portuguesa, mais que depressa Preto Chico dava um "migué" nos afazeres da fazenda e corria à espreita na janela para escutar e gravar na cuca as palavras pomposas e bonitas que a gente fina falava.
De orelha em pé, Preto Chico ouvia atentamente o Coronel Luis falar algo sobre independência e seu genro, um advogado que morava na Capital, balbuciar palavras sobre liberdade. Desta forma, muitas coisas se passavam pela cabeça de Preto Chico.
Derrepente, passa ao lado da Casa Grande e bem em frente à janela onde o danado do Preto Chico se encontrava debruçado, um crioulinho carregando um saco às costas e o qual grita bem alto:
- Preto Chico desgraça, se sinhôsinho te pega aí, cê tá no tronco seu merda!
Mais que depressa o finório Preto Chico pula de onde está e corre como um capeta para o meio da lavoura, com receio de que o Coronel lhe pegasse em flagrante delito. Passado alguns minutos, seu coração já começava a bater normalmente após o susto causado pelo "X9" da senzala. Debaixo do sol quente, o astuto Crioulo tentava assimilar os dizeres sobre a independência e a liberdade dos quais escutou na reunião dos sinhôzinhos.
No dia seguinte, uma figura muito importante da região, o qual mora na capital, foi vistar o Coronel Luis; este era o produtor da famosa cachaça independência, muito apreciada no Brasil da época. Seu nome era sr. José Bustamentes, também um fanático independencialista e que gostava de prosear com o Coronel à respeito de política e principalmente sobre o fim do colonialismo Lusitano. Este também era muito conhecido pelo seu famoso bordão o qual o empregava quando um cliente lhe pagava alguma mercadoria que dele comprara: Ah Liberdade!
Bom, mais que depressa Preto Chico percebe a presença do famoso produtor e corre ao vão que dá à janela da sala de reuniões do Coronel, para escutar a conversa dos dois fidalgos:
- É Zé - disse o Coronel - num guento mais essa nossa situação. Trabalho duro para sustentar uma cabanda de Pavão que agora mora do outro lado do oceano!
Então, José Bustamantes responde:
- O sr. está certo Coroné, se tivéssemos homi de peito nessa colônia, não estaríamos há tanto tempo nessa situação!
Então o Coronel, com um certo ar de sarcasmo, retruca:
- Quer saber meu caro amigo do alambique? " Ah Liberdade" ao homem que nos trouxer a independência!...
Mal o Coronel pronunciou a última letra da frase, eis que o "X9" da senzala estava de passagem no mesmo lugar e novamente inferniza a vida de Preto Chico:
- Preto Chico safaaaado...
E mais uma vez o figurante da obra de Monteiro Lobato pula de onde está e some no meio da lavoura...
Contudo, desta vez Preto Chico estava eufórico, pois, ouviu as palavras do sinhôzinho dizendo que dará a liberdade para quem trouxer a independência:
- Vô consegui a tar da independência - pensou Preto Chico -. O sinhôzinho vai ficar gurlhoso de muá. Inté hoje eis me trata como mundiça, como bosta que num vale nada. Vou monstrar pra todo eles que eu sou firno! Vô se Preto Livre, aforriado!
Depois disso, no dia 06 de setembro de 1822, o genro do Coronel Luis, o tal advogado residente na capital da Colônia que à época era sediada na cidade do Rio de Janeiro e o qual se chamava Dirceu Lopes e era outro adepto incontestável do independencialismo, foi à fazenda do Coronel, chamando-o afoito:
- Coronel, Coronel - gritava ele.
O Coronel chega às pressas na porta da Casa Grande e esbraveja:
- Que gritaria é essa homi? Quem morreu?
Dr. Dirceu, quase sem ar, sobe as escadas para se encontrar com o Coronel e diz:
- Ninguém morreu Coronel, ainda! Pode ser que muitos irão morrer!
- Mas que papo é esse homi? Perdeu o juízo? - Retrucou o Coronel -.
No meio dessa discussão, Preto Chico percebe que há algo estranho no ar e despistadamente chega bem próximo à escada para averiguar a situação, porém, desta vez a conversa estava sendo ao ar livre e ele tinha que tomar muito cuidado para não ser pego bisbilhotando.
Então, o Dr. Dirceu disse ao Coronel:
- Meu sogro, tenho uma incrível notícia! Tô indo me encontrar com o príncipe Pedro. Tenho umas correspondências para lhe entregar (acharam melhor pedir a uma pessoa influente para ser o portador das cartas). Meu caro, pela agitação e urgência que me pediram para entregar estas correspondências, creio que a independência está à vista! Ou virá uma grande revolta... O Sr. José Bustamantes foi à frente, para encontrar também com o Príncipe. Vou topá-lo às margens do Ipiranga, quando ele estiver passando por lá, vindo de Santos.
Preto Chico ouvia atentamente a conversa dos dois senhôzinhos e pensava consigo:
- Disgraça! Se eu num apreça o passo, não consigo alcança a tar da idependença e vô perde minha nega no limpo! Tenho que me espichá logo!
Já estava anoitecendo. Dr. Dirceu iria pernoitar na casa de seu sogro e nessa noite o danado do Preto Chico irá driblar os capatazes da fazenda e dormir fora da senzala, pois, na sua fértil imaginação, ele chegará na frente dos sinhozinhos para esperar a passagem de Sua Alteza e chegar primeiro na briga pela independência.
Amanhece o dia 07 de setembro de 1822. Preto Chico esperava ao longe, numa moita, a passagem de Sua Majestade e sua comitiva. Algumas pessoas já estavam posicionadas, entre elas, o Sr. José Bustamantes. Na face de todos resplandecia certa preocupação e euforia. Na moita, Preto Chico já estava quase branco de tanta ansiedade e medo!
Ao longe, aparece um cavaleiro cavalgando bem devagar; Era o Dr. Dirceu, genro do Coronel. Dr. Dirceu apeia de seu cavalo, cumprimenta aos que ali estavam e diz a todos que o Coronel irá chegar atrasado, pois, ficou retido na fazenda por causa de um imprevisto ocorrido de última hora.
As horas passam, a ansiedade pela passagem do príncipe aumenta. Derrepente, eis que surge ao longe a comitiva real. O alvoroço toma conta do lugar. Preto Chico que estava o tempo todo de cócoras, agora inclina-se em posição de um corredor olímpico.
Finalmente, a comitiva topa com os afoitos sinhôsinhos que o esperavam e Dr. Dirceu, mais que depressa, reverencia Sua Majestade e entrega-lhe as históricas correspondências, as quais eram: uma de seu pai, vinda de Portugal; outra do Ministro José Bonifácio e outra de sua esposa Maria Leopoldina. Após lê-las, o Príncipe Pedro olha para a multidão à sua volta, inspira e, para entrar de vez na história, diz as Palvras:
- INDEPENDÊNCIA OU MORTE!!!
Essas duas palavras ecoaram sobre o rio Ipiranga e à multidão explodiu alvoraçada em euforia e alegria.
Em meio à celeuma, surge da moita, como que um felino sedento de sangue, o estabanado Preto Chico, que corre em direção ao Príncipe e à multidão eufórica. Quando já estava praticamente aos pés do cavalo de Sua Majestade, eis que Preto Chico diz outra frase que ecoará pela história e ficará para sempre marcada nesse momento histórico:
- Bicho diabo, a morte ceis fica com ela, a independença eu levo embora!
E o atrapalhado crioulo, passa pelo cavalo do agora D. Pedro I e chega ao cavalo do Sr. José Bustamantes, metendo a mão em sua bagagem e logo afanando uma garrrafa de sua cachaça INDEPENDÊNCIA.
Como um curisco em meio à multidão, Preto Chico corre em direção ao mato, quando é interceptado por um pontapé certeiro entre suas pernas. Ao rolar pelo chão, (com estilo, diga-se de passagem, pois, não deixou a independência se quebrar) ele escuta uma velha e conhecida voz, que mais parecia um trovão:
- Nêgo disgraçado, vagabundo.. Seu criolo preguiçoso e agora ladrão... Tava com os capatazes te procurando pela fazenda toda, sua bosta, porque me disseram que ocê num tinha ido pra lavoura hoje cedo e talvez tivesse fugido; projeto de peste!. Por sua causa, perdi a proclamação da Independência, sua imundiça!
Com os olhos arregalados e entre os tapas que os jagunços do Coronel lhe davam, ele tentava se justificar:
- Sinhôzinho, num castiga Preto Chico não, vim buscá a independença que o Sinhôzinho queria, pra móde eu ganhá a liberdade e seu coroné ficá contente.
Enfurecido, o Coronel disse:
- Cala boca, seu estrume de vaca! Só num te mato aqui agora, porque tamo na frente de Sua Majestade. Cê qué liberdade? Vou te mostrar liberdade hoje, seu nego imundo, fio duma vaca preta! Capataz, leva esse criolo pro tronco e mostra pra ele o que é liberdade! E passa pra cá essa garrafa, por que hoje é um momento histórico que merece comemoração e num é a toa que temos uma garrafa de cachaça chamada independência! É o destino! E pra você, criolo, a independência vai cumê no seu coro!
Os jagunços do Coronel então levaram o pobre do Preto Chico para a fazenda, à base de pancada. Chegando lá, logo o amarraram no tronco e as chibatadas começaram. Preto Chico, devido a sua malandragem, já era acostumado a levar umas chibatadas, porém, nesse dia a coça foi pra lá de violenta e até mesmo ele que já estava acostumado a apanhar, arriou com tamanha brutalidade.
Preto Chico iria passar três dias no tronco, por determinação do Coronel, mas pela coça ele levou, muitos dos outros criolos na senzala achavam que ele não passaria daquela noite. Uma coisa era certa, se eles fossem continuar a exemplá-lo no dia seguinte, era adeus ao Preto Chico.
Durante a madrugada, enquanto Preto Chico oscilava entre estado de consciência e insconsciência, eis que surge na escuridão uma figura em forma de mulher, brilhante como o sol, a qual veio se aproximando de Preto Chico. Ela tocou seus ombros bem devagar e disse ao seus ouvidos:
- Querido Preto Chico, não tenhais medo, estou aqui contigo!
Preto Chico, estava atordoado e confuso, pois, nenhuma mulher negrinha antes ao menos uma vez na vida o chamou de querido, imagina uma moça branca, linda, bem vestida, o chamar assim? Ele pensava consigo que, ou estava delirando ou havia morrido e estava vendo um anjo.
Então, Preto Chico perguntou:
- Quem é vosmicê sinhá?
Ela respondeu:
- Eu sou o que muitos homens aspiram e procuram, eu sou a liberdade.
- Liberdade? - murmurou preto chico .
- Sim meu querido, eu sou a Liberdade. - ela resondeu novamente.
Preto Chico falava quase nada, mas não porque ele não quisesse, na verdade, a cabeça dele estava fervilhando de dúvida, mas devido a çoça que levou, ele estava muito fraco e mal conseguia balbuciar algumas palavras.
- Querido Preto Chico, - disse a liberdade - , não tenhas medo, você e sua geração serão vingados dessas atrocidades cometidas por esses homens cruéis deste tempo. Num futuro próximo, surgirá um homem negro, íntegro, chamado Joaquim, o qual terá poder pra julgar tanto os homens negros quantos os brancos desta terra e ele punirá com mãos de ferro todos aqueles que colaborarem para a miséria do povo e sua exploração, bem como pela sua marginalização. Isto eu te prometo nesta noite!
Preto Chico, com os olhos vermelhos e inchados devido as pancadas, vagarosamente olha para a face da liberdade. Buscando o restinho das forças que havia lá no fundo de sua alma, ele diz para a Liberdade:
- Sinhá, Preto Chico num sabe nada. Num sabe lê, num sabe escrevê. Tinha uns quatro anos quando mi tomarum de minha mãezinha e me levaram lá pros lados de Minas Gerais. Sem minha mãe, tive que aprender a ser espertu para móde sobreviver nesse mundão. Acabei sendo comprado pelo sinhôzinho Coroné Luis e vim pra cá. Oia, a vida inté aqui me ensinou a cê espertu. Entoces, oia só, ocê disse que é a Liberdade. Só sei que eu achava
que com a independença comprava ocê. Mais num é não! Por causa disso tô quase morto aqui. Na verdade, é ocê que compra a independença. Pode perguntá pro sinhôzinho Zé Bustamante se num é verdade!. Intoces, a independença que o príncipe disse num compra a aforria. Intoces Preto Chico continua no tronco.
- A sinhá disse, - Preto Chico continua -, que um tar dum criolo chamado Joaquim vai vim julgar os omi branco e preto tudo junto e vai fazer justiça pra nóis. Oia, preto mandar em branco, essa eu queria vê! Também, lá nos Minas Gerais, quando arguém era um traíra, o persoal chamava ele de Joaquim, nem sei perquê! E Joaquim era o nome do capeta do criolinho que vivia me derdurando pro sinhôzinho quando eu perdurava na janela para ouvir as cunversa do pesoar fino. Intoces, sinhá Liberdade, ocê sabe quando que isso que a sinhá disse vai acontecê? Só no dia que o omi andá na lua!
Terminado esse diálogo com a liberdade, Preto Chico enfim se tornou um homem livre...
(Moral da História: As vicissitudes do cotidiano podem nos levar a um descrédito total; descrédito em nós mesmos, nos valores tradicionais os quais acreditamos, na política, na sociedade, nas autoridades constituídas, nas instituições, enfim; há uma necessidade de um grande eforço intelectual e moral de nossa parte para não desanimarmos e continuarmos firmes na fé de que podemos melhorar nossa nação a cada dia, dependendo de nosso esforço também em prol desta transformação).
P.S.: Não há nenhuma crítica dirigida aos possíveis persongens históricos ou contemporâneos mencionados neste texto. As analogias feitas com os personagens, predominantemente recheadas de fatos fictícios, serviram apenas para eriquecer a dinâmica do texto e tornar a mensagem inteligível ao leitor. Também, em algumas partes do texto, os termos racistas e pejorativos empregados, hoje corretamente condenáveis pela sociedade contemporânea, foram utilizados nessa narração com o intuito apenas de ilustrar um momento histórico que mancha nosso passado e o qual devemos lutar para que desapareça de nosso vocabulário usual, principalmente no trato com os nossos semelhantes, deixando os mesmos apenas no passado e nos contos dessa história tenebrosa. Enfim, lutemos por um Brasil mais justo, digno, sem violência, sem racismo, sem corrupção e "Super-desenvolvido".