Confissões de um Rockeiro Sonhador

"Afinal, o que eu quero?

Quero minha primeira guitarra, que seja paga em moedas contadas. Quero minha guitarra de uma marca qualquer.

Quero poder me fechar no quarto ouvindo meus velhos discos herdados de meus pais. Quero sentir o prazer de acertar a agulha do toca-discos na minha canção predileta. E nesta canção, quero marcar minha mente para ter a nostalgia dos ruídos do som, enquanto vejo os calos de meus dedos, frenéticos nos três acordes, misturados com o ferrugem das velhas cordas de minha guitarra usada.

Quero contar para meus amigos na escola sobre montar uma banda. Compartilhar de um sonho mútuo. Falar-lhes sobre minha empenada e barulhenta guitarra para eles. Quero sempre lembrar do sorriso no rosto de meu amigo que batucava a carteira da escola, não vendo a hora de chegar em casa e sacudir o pai e a mãe para lhe comprar uma bateria. Quero guardar para sempre o entusiasmo de meu amigo receoso em levar seu baixo elétrico, que ele usava para tocar na igreja e, mesmo desdenhando, aceitando a ideia dos primeiros ensaios na garagem.

Quero fazer de minha garagem uma sauna. De ensaios tão intensos que nos façam pingar de suor e perder a voz de tanto rock n' roll.

Quero ser o rodie, o produtor mequetrefe e o integrante da minha própria banda. Quero montar e desmontar meus instrumentos no boteco mais fuleiro, enquanto ouço gritos desesperados para fazer tributo da banda favorita do sujeito já embriagado e solitário no meio da pouca gente presente para apreciar o nosso som.

Quero me queixar do cachê em cerveja, mas mesmo assim bebê-las e sair cambaleando do bar.

Quero flertar com a menina que apreciou o show até o final, e dela fazer o meu caso de amor.

Quero altos e baixos na vida. Quero o sucesso. Quero quebrar a guitarra no palco e jogar os pedaços para a platéia.

Quero descer do avião e ser ovacionado por ter a banda top nas paradas. Quero ouvir a crítica. Quero os jornais pedindo altos valores para venderem minha imagem. Quero dizer sim, e não quando estiver no auge.

Quero cuspir na cara do empresário, criar caso com a imprensa e ser taxado de delinquente e mau exemplo.

Quero opinar sobre política, religião, libertinagem, quebrar tabus e ser lembrado pela audácia.

Quero brigar com os integrantes, fazer carreira solo, ver minha carreia desmoronar, pedir pra voltar e criar canções de reconciliação.

Quero ser lembrado por todas loucuras encenadas, espontâneas, e tocar nos anfiteatros para a alta classe, enriquecer sem a vergonha de receber daqueles que tanto critiquei um dia.

Quero morrer e ser lembrado e imortalizado pelos erros e acertos da vida.

Eu faço minha trilha. Eu sigo meu caminho.

O que não quero é viver o falso moralismo e sob a sombra da hipocrisia que jamais me livrarei.

Posso não poder ser tudo que quero, mas quero sonhar com tudo que posso."