A conquista
Paulinho nunca teve medo do trabalho. Também, aos quatro anos, enquanto candeava a junta de bois do pai, já enfrentava os brotos afiados de sapé que despontavam na queimada. Tinha ainda os “benzinhos”, umas sementinhas danadas de malvadas, donas de um espinho em cada ponta. Pior eram as moitas de espinheiro que teimavam em se agarrar à pele morena de Paulinho, fazendo leves sulcos marcados de vermelho.
Paulinho cresceu esperto. Dividia seu tempo entre o serviço da roça, as tardes de pescaria e futebol no terreiro da sala lá de sua casa. Os dias para Paulinho eram leve, felizes, e como todos os dias felizes, passaram rápido demais.
A infância veio e se foi… A adolescência trouxe novos desejos, nova conformação física, novas responsabilidades. Trouxe também o primeiro (que viria a ser único) amor. Aos 18 anos, Paulinho (que agora era o Paulo), casou-se.
Com o dinheiro que tinha ajuntado, comprou material e, ele mesmo, construiu uma casinha no quintal da casa do pai. Aquele era o seu ninho de amor, o lugar no qual formaria sua família. A construção da casinha trouxe, além disso, uma nova era na vida de Paulo. Ele se tornara pedreiro. Isso mesmo, assim, simples… Paulo aprendera naturalmente a profissão que o acompanharia ao longo de toda a sua vida.
A partir daí, a vida começara a melhorar para Paulo. Pedreiro ganhava relativamente bem e ele, ajudado pela esposa, ia construindo sua vidinha simples, mas sem privações. Paulinho pode aumentar a casa, comprar brinquedos pros meninos (que nasciam a cada ano), roupas novas para a mulher… Uma máquina de lavar, uma TV maior, um aparelho de som, uma cama grandona, uma bicicleta, uma mobilete para ir ao trabalho…
Tinha até dinheiro para comprar uma moto, quem sabe um carro, mas Paulo sabia que este era um sonho impossível! Para ter uma moto, ou um carro, Paulo precisaria tirar carteira de habilitação, e isso para ele era inatingível: dirigir ele até sabia. Pilotar moto também. Mas ele jamais passaria na prova de legislação. Paulo não sabia nem ler, nem escrever.
…
Quando Paulo se matriculou no Brasil Alfabetizado, foi logo dizendo: “quero aprender ler e escrever para tirar carteira de motorista. Cês acham que eu consigo? E continuou: “Eu vinha da obra, de bicicleta. Tava na Beira Rio quando um moleque passou num carro. Tava chovendo e o danado acelerou quando passou numa poça d´água e me enlameou todo. Sentei na calçada e pensei: se eu tivesse um carro isso não tinha acontecido… Mas que merda de homem sou eu que nem consigo ler e escrever… Moça, deu vontade de morrer viu. De raiva de mim, de vergonha, sei lá. Passei num boteco, tomei uma pinga pra tirar o resfriado e vim pra casa assim, meio golado. Vinha matutando: de que adiantava ter dinheiro se não tinha nem como gastar o danado. E não era só a carteira não. Eu não podia fazer uma viagem, assinar um talão de cheque… E as vergonhas que eu passava quando tinha que assinar com o dedão? Cheguei em casa e a mulher me falou que umas moças tinham passado aqui pra pegar velho pra estudar. Nem tomei banho ainda. nem jantei. Tomei uma decisão: Tô aqui. Vê aí o que que oceis podem fazer por mim”.
…
Paulo é inteligentíssimo. Aprendeu ler e escrever em quatro meses. Já escreve pequenos textos. Já está, inclusive, na autoescola. Todos os dias aparece com o livro de legislação de trânsito. Pergunta o tempo todo. Mas, nem é isso que mais nos emocionou na história do Paulo. Foi um caso que ele nos contou no fim do primeiro mês de aula:
“Gente, eu vinha de bicicleta pela Beira Rio quando aconteceu um negócio que me deixou bolado. Um caminhão passou por mim e, como o trânsito tava embolado, parou do meu lado. Espichei os olhos pras letrinhas da carroceria e li: I TA TI AI A. Moça, nessa hora me deu uma bambeza nas pernas. Tive que parar, sentar e, pela primeira vez depois que fiz primeira comunhão, eu vi que tava chorando… De felicidade, moça… Eu já sabia ler.”