Até que a vida nos una
Dizem que o tamanho dos sonhos das pessoas determina o valor das conquistas. O que parece pouco, quase nada pra uns, pode representar o mundo pra outros. Também é certo que há pessoas que querem mais, nunca se satisfazem com as conquistas, sempre procuram _ e até conseguem _ fazer sonhos impossíveis se tornarem realidade. Mas também há aqueles que desejam tão pouco e que, mesmo assim, passam pela vida sem chegar nem perto daquilo que, para a maioria, seria apenas o trivial. Para estes e para aqueles a realização de um sonho, independente do tamanho, é a razão de uma existência. Assim viveu Tereza, em busca de um sonho: ser professora!
Tereza nasceu na roça. Eram tempos duros aqueles. De pés descalços, saia desbotada, blusa puída, lenço na cabeça e cabeça nas nuvens aprendeu cedinho a manejar a foice e a enxada. Aprendeu também a cozinhar no fogão a lenha, a “fabricar” vassoura de palmas, a cuidar da horta, das galinhas e dos porcos; aprendeu a lida diária. Não aprendeu, entretanto, a manejar o lápis e o caderno. O pai, homem com calos nas mãos e na alma, forjado no sol do cabo da enxada, achava que “filho homem era pra ir pro batente, e filha mulher feita pra casar nova”. A mãe dizia: “Filha, procê arranjar um marido, tem que ser trabalhadeira. Homem num gosta de mulher preguiçosa.
Assim Tereza cresceu, cabecinha nas nuvens e pés fincados no chão. Produto de um meio contra o qual não podia lutar, estranha em um ambiente que lhe moldava o corpo… Mas não conseguia dobrar sua alma rebelde. De tanto insistir, conseguira convencer o pai a colocá-la na escola. Tinha doze anos, quando, bornal de cadernos pendurado no pescoço e um sorriso do tamanho do mundo no rosto, Tereza começou a realização de seu sonho. Tinha certeza, ninguém agora a seguraria, ela viraria professora. Mas, o sonho recebeu um golpe: um prefeito da época resolveu fechar a escola. Resignada, Tereza pendurou o bornal num cantinho do quarto que dividia com as irmãs. Seu corpo voltou pra lida diária, pro sol, pra enxada, e a cabeça voltou pras nuvens.
Tereza cumpriu o destino que seu mundo lhe traçara: cresceu, casou-se, teve filhos, filhos e mais filhos. Lavou tanques e mais tanques de roupa, perdeu a contas de quantas camisas remendou. O tempo passou, a vida melhorou, e Tereza não percebeu que os anos chegaram. Quando viu, era avó, sessenta anos, corpo cansado e uma alma jovem. Quando via os netinhos indo pra escola, não se esquecia de uma frase: meus filhos, estudem direitinho… Ah, a vovó queria tanto ter sido professora… E, de cabeça baixa: mas não sabe nem ler, nem escrever.
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Tereza Messias Filgueiras é mais uma personagem do Brasil Alfabetizado. Conforme ela dizia constantemente e conforme não se cansam de afirmar as suas filhas, ela sempre quis estudar. Uma vez, até começou, mas não foi adiante. Em 2009, foi procurada por uma alfabetizadora do PBA. Ficou deslumbrada com a alfabetizadora, com os colegas, com o ambiente. Um dos seus maiores medos era que a escola fechasse de novo. Então, tornou-se uma fiscal da assiduidade. Não deixava que os colegas faltassem de modo algum. Tornou-se um ídolo entre os colegas. Doente, os momentos em que estava na escola eram os únicos em que ela sorria. Sofrendo de enfisema pulmonar, a cada dia, definhava. Mas a cabeça mantinha um sonho. Virar professora. Em casa, filhos e netos se tornaram incentivadores. Nos últimos dias do ano, teve que ser hospitalizada. Não pode comparecer à “festa de formatura”, um dos seus sonhos. No dia 21 de maio de 2010 Tereza faleceu, não sem antes realizar seu sonho: tornar-se uma professora da arte de manter vivo um ideal.
Tereza nos deixou um legado. Haverá vida enquanto for possível sonhar.