Ah, o amor!

Era uma tarde de dezembro. Tinha chovido a semana inteira, mas naquele dia o céu estava limpinho. A chuva tinha lavado o ar, deixando tudo com um cheirinho de novo. O mundo parecia sorrir

José vinha da roça. Camisa remendada, calça arregaçada até o joelho, pés descalços, enxada nos ombros. Vinha olhando pra “não sei onde”, espiando algum pássaro cantador que se esgueirava em algum arbusto de beira de estrada. Distraído, José vinha “pensando na morte da bezerra”, cantarolando uma modinha sertaneja qualquer, quando…

Maria vinha da escola. Blusa branca e saia azul marinho, sandália rasteirinha, bolsa pendurada no ombro direito, livros e cadernos nas mãos. Pensativa, nem via por onde passava. Na cabeça, mil planos para a aula do dia seguinte. Ela estava adorando seus primeiros dias de professora da escolinha rural. Vinha assim, como quem caminha em nuvens, como quem passeia por um planeta qualquer, quando…

Um topou de frente com o outro. Primeiro, um susto. Depois, um par de olhos castanhos intensos fixados em um par de olhos pretos, noturnos. Um passo pra trás, desajeitados. Dois sorrisos constrangidos. Os olhos ainda nos olhos. Mais três passos em direções opostas, continuando o caminho. Dois corpos e uma ideia: olhar pra trás. Dois olhos se cruzando de novo. Dois sorrisos inevitáveis. Duas pessoas e um sentimento…

Foi assim o primeiro encontro do sonhador agricultor José, vinte e dois anos; e sonhadora professora Maria, vinte anos.

Na sexta-feira seguinte, teve novena de natal na fazenda. Depois da novena, o leilão. José arrematou um prato de pastéis de queijo. Tomou coragem. Ofereceu a prenda à professorinha. Entregou bem na hora em que o sanfoneiro puxava um forrozinho bom. Em volta, dez casais se ajuntaram e começaram o arrastapé na mesma hora. Sorridente, Maria entregou o prato de pastéis a uma menininha que estava do seu lado. Pegou José pelo braço e começaram a dançar. José estava nas nuvens. Maria fazia companhia a ele. Dançaram uma, duas, três, quatro músicas… Dançaram até o forró acabar. Palavras, não trocaram nenhuma. Só olhares.

Na hora de ir embora, foram lado a lado. Nenhum dos dois dizia nada. Foi assim até chegarem à encruzilhada. Dali, cada um iria pra um lado. José tomou coragem: “Cê quer namorar comigo, Professora?” Maria se assustou. Sorriu. Foi embora sem dizer nada.

José ficou entre o céu e o inferno. Será que ela o queria? Como podia saber? Naquela noite quase nem dormiu. E quando dormiu, sonhou com a professora. Sonhou que ela sonhava com ele… O que não sabia era que o seu sonho era real.

O fim de semana passou. Chegou a segunda-feira. O dia passou, a tarde veio. José, dessa vez de caso muito bem pensado, apareceu na estrada bem na hora em que a professorinha estava passando. Pensou em arranjar um outro esbarrão, mas desistiu. Ficou parado, olhando ela aparecer na curvinha, chegar até onde ele estava e… Passar por ele. Sem olhar. Cabeça baixa. José ficou anestesiado…

Atrás da professora, Joaninha, uma aluna, veio correndo e entregou um papelzinho a José. “É um recadinho da Fessora”. José abriu o papel. Ansioso. O problema é que ele não sabia ler… E agora?

Claro. Tinha o Pedro. Um rapaz meio metido, mas gente boa. Ele tinha estudado na cidade. Até a sétima série. José foi à casa do Pedro. Contou-lhe a história toda. Pedro pegou o bilhete. Leu… Fez uma cara feia.

- Que tá escrito aí, Pedro?

- Bom, ela diz que você é um bom dançarino de forró, mas que ela não namora caipira.

Pedro riu. José saiu. Seu sonho virara pesadelo. Guardou o bilhete no bolso. Envergonhado, nunca mais tocou no assunto com ninguém.

Um dia encontrou a professora na mesma estrada. Disse tudo que pensava sobre ela. Ofendeu-a. Maria olhava pra José. Parecia não entender nada… José estava vingado. Agora ela sabia que aquele caipira também não era para ela.

… Três meses depois, Pedro e a professora Maria começaram a namorar. Um ano e meio depois se casaram… José também se casou… Mudou-se pra outra cidade… José e a Professora nunca mais se viram.

Esta é uma história que Seu José, um senhor de sessenta anos, sempre conta aos colegas de Brasil Alfabetizado. Ele tem bastante dificuldade, mas já está aprendendo a ler e a escrever. Não é que ele não esteja feliz com a vida que tem, nem que não goste da sua atual esposa. Mas, “esquecer a professorinha? Isso até minha mulher já sabe: nem pensar” José solta um sorriso largo. E completa: “ O que me encuca é saber se o desgramado do Pedro leu o bilhete da Professora, ou inventou aquela história toda… Vou morrer sem essa certeza… AH SE EU SOUBESSE LER NAQUELA ÉPOCA!

Fala e fica com o olhar perdido no horizonte, procurando algo que ele sabe bem o que é.