Valores Revisitados

Denise não acordou bem disposta naquela quinta-feira, por isso ligou para o trabalho e ficou em casa. Não era nada físico, ela apenas estava tentando entender o vazio que existia em sua vida. Tinha um jovem marido, filhos bem sucedidos, casa confortável, um bom emprego, o diploma com o qual sempre sonhara, conforto e tudo o mais que uma mulher não convencional precisava para viver. Não convencional, era obrigada a rir. Mas era o seu jeito de ser. Sem grandes vaidades, intelectual, reservada, caseira. Muitos achavam que ela parecia bem mais jovem do que realmente era e que, por isso, seria um desperdício viver longe da sociedade. Mas ela não estava preocupada com nada disso.

Desde que levara alguns duros golpes na vida, muitas coisas mudaram em seu interior e ela passou a valorizar ainda mais as coisas impalpáveis. Nunca fora muito carnal, sexual, tanto que somente perdera a virgindade muito depois do normal e com o homem que viria a ser seu marido. Devido à criação em uma família fria emocionalmente, somente recebia afeto de seus tios, pai e irmão. As mulheres eram por demais distantes. E desse carinho ela sentia falta.

Seu casamento era um fracasso, por mais que o marido tentasse consertar o mal que fizera à ela, a traição. Mas não era só isso, o sexo era, para ela, um fardo pesado de carregar. Não suportava aquela coisa um pouco agressiva e sem o menor carinho. Enfim, disso ela se livrara. O que ela sempre quis foi um marido, nunca um homem. E marido ela nunca teve. Sonhava com uma parceria, uma companhia que tivesse gosto parecido; com quem pudesse conversar; sair; acariciar a fronte, o rosto e a cabeça; ficar segurando as mãos entre as suas. Durante algum tempo ela desejou ardentemente que ele ficasse logo com 80 anos, pois, quem sabe, ela teria o tão sonhado marido. Mas era ilusão, pois nem saberia se viveria tanto, já que ele era mais novo.

Denise nunca quis se casar e nem ter filhos. Ela sonhava com a solidão, pois o que havia visto de casamento era algo que não queria para si. Mas a vida tem alguns descaminhos que nos obriga a tomar o rumo que não queríamos.

Hoje ela se ressentia da estrada que sua vida tomara, mas o que fazer? Não via motivos para se separar, pois não lhe interessava outro garanhão. Ela queria um marido que fosse doce, educado, meigo, carinhoso e que ela pudesse retribuir todo esse carinho. Seria encantador, mas a vida a isolou de tal forma, ou ela mesma se afastou do mundo, que não se permitia a aproximação de ninguém. Não se interessava.

Em um dia nublado, em que havia muito pouca visibilidade, ela via um homem se aproximar. Bonito, maduro, doce. Mas era somente um sonho que teve durante a semana. Ao ver o rosto do homem, ela acordou. Não, não era um rosto estranho, mas era distante, muito distante e ela não conseguia tocá-lo. Desde esse dia ela concluiu que precisava rever seus valores e buscar uma saída para toda aquela paralisia existencial.

De seus problemas havia bastante consciência da parte dela, mas precisava achar um jeito de solucioná-los. Ela sentia que muitas coisas ainda poderiam acontecer, pois enquanto houvesse vida, haveria esperança.

Uma dor de cabeça bem forte estava a caminho. Ela tomou um analgésico e dormiu, tentando, em vão, reencontrar o sonho nublado.

Campos dos Goytacazes, 02 de janeiro de 2014 – 15:22 horas

Emar
Enviado por Emar em 02/02/2014
Reeditado em 02/02/2014
Código do texto: T4675251
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.