A viagem
Existia uma explicação convincente para o caso: tratava-se de uma história de paixão. Quando, ainda pequena, tinha visto postais coloridos do país, havia pensado, num impulso: 'Um dia vou lá.' Freqüentou a escola, estudou disciplinas diversas, a idéia manteve-se por um tempo adormecida. Até que se deu um encontro decisivo. "Sou a professora de francês", apresentou-se a senhora gorda, sorridente. Com olhos vidrados, ela acompanhava os movimentos da mestra. Aos poucos, uma espécie de música tomava conta de seus ouvidos. Ei-la enfeitiçada. Naquela época, lembra-se bem, prometeu a si mesma que não morreria sem ir à França.
Rosa termina de arrumar a mesa, espera a filha. Toca o telefone:
- E então?
- O grupo está formado. Tudo certo.
Uma vez, esteve bem perto de fazer a sua viagem, quando os filhos se aproximavam da adolescência. O marido simpatizava com a idéia; também ele sentia necessidade de sair, depois da longa doença do pai. Chegaram a procurar a agência de viagens: houve as primeiras conversas, uma animação ainda reticente querendo invadi-la, ela esquivando-se, deixa pra lá, vamos ver...
Sobreveio, então, o enfarte. Rosa chorou, pelo problema do marido e pela perda da viagem. Engavetou os seus planos e dedicou-se ao doente. Os anos foram passando, os filhos formaram-se, ela terminou ficando só.
A filha vem de longe, já faz um tempo que não se vêem. Rosa pergunta-lhe sobre a carreira, recebe informações sobre o novo namorado, sobre afazeres e passeios. Por fim, surge a indagação:
- E tu, mãe? Não estás muito sozinha?
Precisa contar. Vai escolhendo cada palavra, tateando por entre sombras. A surpresa explode:
- Agora, na tua idade? E os teus problemas de saúde?
A filha sente que a desapontou. Diante do olhar magoado, procura corrigir:
- Eu sei que tu sempre sonhaste com isso. Mas, já pensaste bem? Afinal, é uma viagem longa...
Encara a mãe, que não a ouve mais. Olhar vago, coração nas nuvens, Rosa flutua: não tem mais pejo de entregar-se ao seu sonho.