Amarildo, Alzira e seis filhos

Os meninos estavam jogando pelada, igual faziam todas as manhãs. As meninas, sentadas na soleira da portinha da frente da pequena casa, arrumavam trapinhos e bonecas, umas sem braços e outras faltando uma perna. Tinha até boneca faltando um olho, ou sem a cabeça. O pai chegou e estava bêbado como em todos os dias. Mulher, mulher, mulher, gritou para dentro da pequena casa, um espaço menor que o alcance do seu grito. O homem embriagado atravessou o vão da casa. Tão minúscula aquela casa que ele passou direto para a tirinha de quintal. Foi pegar umas pimentas. Naquele momento passou um avião estremecendo a ruazinha. Mulher, ô mulher, traga o meu almoço. Alzira saiu do quartinho com o prato na mão. Amarildo tinha a testa sobre a mesa. Dentro do quarto, separado por um compensado torto, estava a única cama onde todos da casa dormiam. Não havia travesseiros e nem lençois. O colchão era um pedaço de espuma velha e esburacada. No cantinho estava o velho fogão que Alzira achou numa lixeira. Os trapos de vestir ficavam dentro de uma caixa de papelão. Dia a dia Alzira mendigava e inventava comida para aquele marido e seis filhos. Um homem como aquele, mais mandão que um rei. Os filhos entraram em busca de alimento. O pai continuava com a cabeça sobre a mesa feita de pedaços de pau que as crianças cataram por ali mesmo, naquele beco. Pai, pai, mãe colocou o prato. A gente tá com fome, pai. Alzira tinha a cabeça fervendo, pois aquela comida era para Amarildo. E se as crianças comessem tudo... Pai, pai, acorde. Amarildo segurava as pimentas vermelhas na mão quase entreaberta. A baba escorria pelos cantos da boca de onde vinha o cheiro da cachaça. Alzira temia a cena do prato vazio. O prato amassado era uma tampa de panela. O sol, lá em cima, parecia um senhor loiro, rico, indiferente ao sofrimento daquela família. Tinha horas em que Alzira pensava que o sol gostava de Amarildo. Mãe, mãe, vamos comer, pai dormiu na mesa, não acorde ele que ele come tudo. Mãe, não chore na comida, a gente tá com fome. Amarildo foi deslizando com pimenta e baba pelo tamborete até rolar no chão de areia batida. Tá vendo, mãe? Ele agora só se acorda amanhã, vamos comer. Mãe, a senhora está aguando a comida. O prato sobre a mesa, as crianças pegando o possível. Amarildo emborcado sobre a baba e as pimentas. Alzira entrou para o quartinho. As crianças raspavam o prato. Correram para a torneira lá fora. Logo os meninos retornavam à pelada e as meninas davam pirão de areia às bonecas quebradas. A explosão estremeceu o beco.