Awenyddion, os Inspirados

Sul de Gales. Idade Média. O nobre aguardava ansiosamente pela chegada de um dos homens, que os seus guardas trariam. Gwylin era um homem benevolente e tolerante, mas o bispo o convencera que o grupo de homens era um risco à sua autoridade e à da Santa Mãe, a Igreja. Desde que eles chegaram a seu povoado, homens e mulheres os consultaram sobre diversos assuntos, e suas palavras não vinham em nome de Deus, e sim através de alguma inspiração poética que os sacerdotes julgavam ser obra do diabo. Gwylin não se importaria normalmente com isso, mas aceitou a palavra do bispo de que eles deveriam ser averiguados. E agora, ele estava reunido com sua corte, com o bispo ao seu lado, seu bardo do outro, e toda a sua comitiva pessoal ao redor, para interrogar ao homem que seria trazido. Contrariando ao bispo, ele pediu que apenas um deles fosse trazido. E agora, todos aguardavam no salão.

O homem chegou, escoltado pelos guardas. Ele veio por livre e espontânea vontade, por isso não fora maltratado pelos guardas. Ele adentrou ao palácio de cabeça erguida, usando uma túnica de linho branco e um manto verde escuro sobre os ombros. Seu cabelo era longo, e firmemente preso atrás da cabeça por uma tiara que marcava sua testa. A barba era longa e seu olhar era firme na direção do nobre. Em nenhum momento ele se dirigiu ao bispo, ao bardo ou a qualquer outro membro da corte. Ele não se curvou ao nobre, embora não houvesse arrogância em seus olhos.

O nobre, antes que a inquietação tomasse conta da corte, começou a falar:

- Seja bem vindo, forasteiro. Logo vejo que não é daqui, pois não conhece os modos da corte em nossa terra…

Antes que continuasse, o homem o interrompeu. Sua fala era límpida e clara, e não havia sinal de rudeza ou arrogância, embora ele estivesse interrompendo um nobre:

“Os modos desta terra me são conhecidos,

Embora estranhos hábitos eu veja agora,

Nenhuma recompensa a homens de inspiração,

Nenhum louvor nem gratidão de nobres,

Apenas sendo arrastados pelas regras de fora,

A seus palácios para serem punidos.”

Toda a corte olhou para o homem e em seguida para o nobre. Apesar do mal estar por ser assim interrompido, ele fez o possível para manter a diplomacia. Sua voz endureceu, mas ainda havia cortesia quando ele disse:

-Não está aqui para ser punido, homem. Por acaso, és um bardo? Apresente-se à corte, e diga de onde veio.

“Que importância tem meu nome,

A um nobre de tão alta reputação?

Eu vim das terras onde há fome,

Embora rica ela seja.

Eu vim das terras onde o orgulho some,

Banido pela fraqueza da nobreza.

Onde quer que o vassalo trame,

E seu poder se torne maior que o do nobre.

Uma terra que o nobre ame,

Deve ser gerida com o auxílio de sábios.

Pois onde a liderança dorme,

Os outros altivos prosperam em ambição.”

O bispo se contorceu em sua cadeira. Mas o nobre ergueu a mão e continuou:

-Homem, você foi trazido aqui por estar falando com o povo, e há a suspeita de que as tuas palavras e as de teu bando desvirtuem o nosso povo de seu dever dado por Deus.

“Dever dado por Deus,

Para encher as barrigas dos que não trabalham,

Para levar jovens à guerras que não conhecem,

Para defender valores que os empobrecem.

Triste sorte a dos Seus,

Seus nomes esquecidos serão,

Suas alegrias e tradições negadas estarão,

Suas riquezas roubadas serão.

Conselho meu e dos Meus,

Lembra do que teu povo era,

Retoma o que teu mais antigo ancestral fizera,

Lembra dos sábios que outrora esta terra habitaram.”

O nobre olhou firmemente para sua corte para conter qualquer protesto que pudesse ocorrer. E se virou para o homem:

-Você está me acusando de algo? Ou me ameaçando?

“Ameaças são para os que podem cumpri-las,

Não por mim, pobre homem, sem soldados,

Mas por homens que ambicionam teu poder,

Ah, não saxões em seus cavalos.

Nobres são o espelho de tua Tribo,

E a Tribo é o dependente de sua Terra,

Ao impedir que o trabalho do povo

Do povo seja, o nobre erra.

Tribo forte torna reino forte,

Reino forte torna líder forte,

Líder forte não se submete,

Ao que sugere, das tradições, o corte.

Escuta, ó Gwylin, de bom caráter,

A história não o julgará,

Mas se não tiver o apoio do povo,

Teu reino não perdurará.”

O nobre se inquietou. O bispo protestava abertamente, e exigia a prisão do homem. Os guardas continuavam confusos, mas o homem continuava tranquilo, observando ao nobre. Gwylin fez então sua última pergunta:

-De onde vem tuas palavras? De deus?

“Minhas palavras podem vir de Deus,

Alguns dizem isso,

Outros dizem que elas vem de Fraidd,

Que com seus três caldeirões,

Concede as palavras aos poetas.

Alguns dizem que minhas palavras,

Vem da senhora Kerrituen,

Ao qual o povo outrora ofertou,

Suas bolotas de carvalho,

Seu leite e seu orvalho.

Minhas palavras podem vir de mim,

Minhas palavras podem vir de você,

Minhas palavras podem vir da Terra,

Observando cada bela colina,

Cada altiva montanha,

Cada doce riacho.

Minhas palavras podem vir da Tribo,

De cada canção antiga,

De cada dança entre o povo,

De cada criança que herdará o futuro.

Minhas palavras são da inspiração,

Meu Awen, minha musa,

E elas vem a mim de toda a existência,

Da realidade do mundo,

Da beleza da criação,

Do contato com o divino.

Para entender minhas palavras,

Basta usar os olhos para ver,

Ver através do véu de vergonha,

E deixar a criação inspirar.

Na música, na dança, nos risos,

No rio, no vento, no sol do amanhecer.

São neles que busco minha verdade,

E deles que vem minhas palavras.

Elas falam do mundo como ele é,

Ainda que se recusem a nota-lo.”

“Agora, nobre Gwylin, eu parto,

Minha mensagem entregue,

Meu trabalho feito.

Faz o que quiser com isso,

E lembra dos feitos dos antigos.

Teus herdeiros agradecerão.”

O homem deu as costas ao nobre, e saiu. Ninguém se moveu para impedir. E o grupo itinerante não foi visto de novo naquela região.

Publicado originalmente em barddkunvelin.wordpress.com

Wallace William
Enviado por Wallace William em 29/01/2014
Código do texto: T4669663
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