O Fazendeiro e a Sucuri
Certo fazendeiro resolveu aumentar seu rebanho bovino e para isso realizou queimadas na mata e semeou capim de qualidade nutritiva para o gado. Feliz com o sucesso conseguido, percorria a cavalo todos os dias partes da fazenda, pensando o quanto lucraria com a venda dos animais. Percebia o resultado no crescimento e na engorda, e pensava o quanto de dinheiro ganharia.
Ele costumava contar seus animais semanalmente; em uma dessas contagens, percebeu que faltava um novilho, justo o que havia escolhido para ser um touro reprodutor. Era realmente um belo animal, robusto e bem destacado entre os outro. Procurou por toda a fazenda e não o encontrou.
Muito bravo, teve a certeza de ter sido roubado. Justamente aquele animal que havia escolhido para aumentar a qualidade e a quantidade do seu rebanho. Uma semana após o desaparecimento do novilho, sentiu a falta de mais um animal e, assim, toda vez que contava seus animais, percebia que estava faltando algum. Comunicou a polícia, que após averiguações deu o caso por encerrado, pois não encontraram nenhum suspeito.
Não convencido, resolveu então o fazendeiro fazer justiça com as próprias mãos. Passando a ficar em vigílias durante as noites. Em uma dessas vigílias, cavalgava ele em uma região da fazenda e parou para descansar e seu cavalo pôs-se a pastar. Enquanto isso, ele olhava em todas as direções procurando encontrar os ladrões dos seus animais. Mesmo estando atento, não percebeu a aproximação de uma sucuri gigante que foi logo se enrolando nele e apertando-o para esmagar os ossos e assim poder engoli-lo.
Sentindo ele a morte de perto, gritou: “Socorroooooooooooooooooooooo. Meu Deus! Me liberta desse monstro... Nesse instante, ouviu uma voz: “Posso fazer um acordo com você”. Assustado, percebeu que era a voz da sucuri. Gritou alto “Estou ficando louco, esse monstro está me devorando e mesmo assim fala comigo”.
- Pare de gritar e decida, queres o acordo ou não?
Tremendo de medo a voz lhe saiu trêmula, falou meio gaguejando “que...querooooo”.
Sem muito o que esperar da vida, perguntou ele à sucuri.
- Que acordo é esse?
Respondeu-lhe ela – Me prometa retirar teu rebanho do meu habitat natural que eu te liberto e paro de me alimentar com os seus animais.
-Com o que vais te alimentar sem o meu rebanho por aqui?
-Sem seu gado nesta região, a mata volta a crescer, as águas dos riachos reaparecem em novas vertentes e os animais silvestres retornam. Isso acontecendo, eu sigo o curso normal da natureza, seguindo o curso natural na cadeia alimentar do mundo selvagem, pois só ataco outras presas porque me faltam as presas naturais, não me sinto muito bem quando preciso me alimentar do que não é natural para mim.
Sem alternativa, o fazendeiro vendo seu fim, falou com muito medo:
-Está bem, não me mate! Liberta-me, que amanhã mesmo retiro todos os meus animais dessa região e levarei para a antiga fazenda.
-Falas a verdade? – Perguntou a sucuri.
-Claro, prometo que nenhum desses animais e nem eu vamos degradar esse teu habitat que tanto necessitas.
Ela foi lhe soltando vagarosamente ao mesmo tempo em que dizia:
-Se não cumprires o prometido, devorarei você e todo seu rebanho.
Vendo-se liberto, ainda paralisado pelo susto que havia passado, ali mesmo começou a pensar como faria para ter produtividade com o seu rebanho em um espaço reduzido. Saiu a passos lentos, aproximou-se do cavalo e montando começou a cavalgada de volta para casa.
Chegando, soltou seu cavalo no potreiro e começou a planejar mentalmente as providências a serem tomadas para não ter muito prejuízo financeiro. Chegou à conclusão que a parte antiga da fazenda era mal aproveitada em razão do excesso de espaço que tinha até então.
Na manhã seguinte, bem cedo reuniu seus funcionários e começou a dividir por partes iguais a área que até o dia anterior ignorava. Construíram vários piquetes para remanejamento e engorda do gado.
O tempo passou e o fazendeiro teve dois motivos para comemorar; estava vivo, e o lucro com a venda do gado foi maior do que esperava, diante das circunstâncias. Percebeu que no sistema de rodizio diariamente, os animais percorriam pequenas distâncias e encontravam sempre pastagens novas e nutritivas, assim ganhando melhor peso e um excelente resultado na conversão alimentar.
Os outros fazendeiros da região ficaram impressionados com o resultado por ele obtido, passaram a fazer o mesmo, parando com as queimadas e o desmatamento. Com essa atitude, ganharam eles e a natureza, pois também estavam perdendo gado sem saber para quem ou para que animal.
Num final de tarde, estava ele sentado na varanda de sua casa, olhando distante, sem saber bem para onde, quando voltou o olhar para perto e avistou a sucuri gigante se aproximando. Assustado, perguntou, o que ela estava fazendo ali.
-Calma! exclamou ela. Voltei para conferir o que fez para manter a totalidade do seu rebanho e agradecer-lhe por ter cumprido nosso acordo e também ter servido de exemplo a outros tantos fazendeiros. Sua atitude mostrou a todos que é possível a convivência pacífica entre humanos e o mundo animal, porque as terras existentes para produção de alimentos para a humanidade é suficiente, portanto, o manejo agrícola e pecuário, se feito sem desperdícios, gera lucros para todos, sem necessidade de exagero do uso das motosserras e queimadas. A ambição humana pode ser benéfica, desde que ausente de ganância e ostentação - falando isso, voltou para seus rios e pântanos.
O fazendeiro? Sempre teve certeza de ter-se livrado do aperto mortal de uma gigantesca sucuri – o que contava a todos -, embora dissesse que nem se lembrava de como escapou. Sobre a conversa que tiveram, ele também não tinha dúvida alguma. Ela, realmente, falou com ele, mas quem acreditaria nessa verdade?