Por que?
Fica tão difícil entender o motivo de certas coisas acontecerem. Laís não entendia o motivo de ter sido abordada por um amigo, tanto tempo que o conhecia. Mas como a sua realidade ela nunca revelava, não poderia recriminá-lo. Afinal, algumas pessoas, como ela, tinham uma vida complicada e solitária. Ela o admirava há tempos, mas jamais imaginara uma abordagem como a que aconteceu.
Só quem conhece a difícil arte de viver sorrindo sem vontade, pode imaginar o que isso poderia representar para ela. Mas as coisas nunca são como parecem. O amigo, sem que ela entendesse o motivo, se afastou. Ela ficou triste, mas nada poderia ser feito. Ela nunca sofreu de baixa autoestima, portanto, não suportaria que alguém que não gostasse dela se aproximasse tão intimamente. Nunca, em hipótese alguma, se permitiria olhar para o lado e ver alguém que não gostaria de estar ali.
Na vã tentativa de entender, ela fez algumas abordagens, para verificar se estava realmente certa. Sim, ela estava. O amigo se equivocara, deve ter confundido seus sentimentos e depois percebeu que estava indo pelo caminho errado.
Laís compreendia, embora fosse doloroso para ela, pois sentira-se mal. É uma sensação horrível se sentir rejeitada, ainda mais que não fora ela que tomara a iniciativa.
Mas a vida não se acabou por isso. Ela decidiu ir em frente e tocar sua vida como sempre fizera até então. Dolorosamente superou a pior parte da história, mas sabia que levaria as marcas de tão triste experiência, ainda mais que não havia feito nada de errado; ou fizera, mas sem querer. Entender uma pessoa que fala tão pouco de si é difícil e ela pode ter tocado em uma corda sensível do amigo que, delicadamente, mudou seu comportamento.
Havia muito a aprender com essa rápida experiência, mas também reforçou a sua crença de que ser desconfiada, escorregadia e arisca não é só uma forma de lidar com estranhos. Amigos também podem, sem querer, causar dores.
O jeito era aprender a lidar com as pessoas de uma forma ainda mais arisca, sempre alerta, para evitar que o mundo pudesse feri-la ainda mais. Tantas coisas haviam lhe acontecido na vida, mas ainda guardava dentro de si a capacidade de gostar e, quando baixava a guarda, confiar. Não é uma questão de inocência, mas de bom caráter, de saber gostar de verdade, de não saber ser falsa. Quando realmente gosta das pessoas, ela se desarma totalmente. Quebra a cara, claro! Mas não saberia ser de outra forma. Como diz a Rachel de Queiroz, em uma crônica: “Dana-te coração!”.
Mas uma coisa é fato, ela ainda não perdeu a capacidade de sorrir, de rir de suas próprias desditas. Dói, dói tanto, carregar pesos no coração. Mas um dia esses pesos se tornarão leves, até desaparecerem de vez. E aí ela estará novamente plena, mesmo que fechada para a vida.
Tantas vezes se perguntara o motivo de ser tão fechada. É tão fácil entender isso. O mundo se tornara um lugar horrível para viver. As pessoas são falsas, fúteis, mascaradas, hipócritas, vazias, sem valores. Neste mundo o que vale é o que se tem e não o que se é. O mundo não era um lugar agradável para pessoas como ela: idealista, sonhadora (sim, nunca perdeu a capacidade de sonhar), empática, sensível, sincera e completamente sem ambição e vaidades baratas. Não, ela era inadaptável a este mundo.
Mas tinha que viver, então optou por se isolar. Não é difícil viver assim, de uma forma mais inacessível. E fechar-se, em seu mundo, como uma ostra, sem mais revelações. Ai, seus maiores segredos foram revelados, porque ela acredita que a outra pessoa tem o direito de saber tudo. É preciso repensar isso também. Talvez ninguém tenha o direito de saber de sua vida, de seus maiores segredos. Para quê? Não vai mudar o passado. Melhor ficar silenciosa e jamais se revelar novamente a quem quer que seja.
Mas tudo isso são pensamentos, uma vã tentativa de racionalizar o irracionalizável. Enfim, amanhã é outro dia, o sol nascerá novamente e novas esperanças sempre surgirão.
Laís se levantou, deixou o livro sobre o sofá, foi tomar um banho, ligou o ar condicionado, ligou o aparelho de DVD e foi se deliciar com a sétima arte. Que delícia ver um bom filme! E, depois, dormir ... e sonhar, sonhar muito. Duas coisas que ela tem paixão: dormir e sonhar.
E assim o fez!
Campos dos Goytacazes, 21 de janeiro de 2014 – 23:23 horas