Tempo
Havia um garoto na beira daquele rio. Estava sentado numa pedra com uma vara de pescar de formato artesanal nas mãos. Os olhos fixos na água quase cristalina. Os joelhos dobrados, o queixo entre eles. Os ombros erguidos, os dedos das mãos se encontrando na vara. Os dedos dos pés submersos e encolhidos, deixando a areia molhada entre eles.
Duas horas depois, passando por ali, contemplei novamente o garoto. A mesma postura, os mesmo olhos pacientes. Nenhum peixe. Apenas o rio, a brisa, as folhas caindo e o sol se escondendo em alguma montanha no horizonte. O céu laranja fazia a água perder seu tom quase cristalino. Estava escura. Escura como os olhos do garoto. Vestia farrapos. As linhas do seu rosto de criança já espelhavam o sofrimento de muitos. O sofrimento do mundo.
Horas depois da noite cair, o garoto ainda estava lá. Dessa vez decidi fazer contato. Me aproximei e chamei:
- Garoto!
Ele me olhou com aqueles olhos negros e pacientes. Sua expressão nao mudou. Era suave, serena, e nem um pouco surpresa por ter me visto ali.
- Boa noite, senhor - sua voz ecoou pela clareira
Dei mais alguns passos e parei um pouco antes da água. Dei uma boa olhada naquela água escura e logo em seguida para a figura miserável do garoto.
- Por quanto tempo pretende ficar aqui? Se não pegou nada até agora, é porque nesse rio não tem peixe, não acha? - Perguntei
Ele esboçou um sorriso e seus olhos voltaram-se para o rio.
- Então ficarei aqui para sempre. - ele respondeu
- Como assim? O que quer dizer? - perguntei, perplexo
Sem tirar os olhos do rio, sua voz de criança se espalhou pelo silêncio.
- Me diga, senhor, qual a sua idade?
- 42 - respondi, confuso
- O senhor sabe a idade do tempo?
- Não, ninguém sabe. Bilhões, trilhões de anos? O que isso tem a ver? onde quer chegar?
O garoto então voltou a sorrir.
- De todo esse tempo que o tempo tem, o senhor só testemunhou 42 anos.
Por um momento chocante me dei conta do quanto sou pequeno. Do quanto minha existência parece insignificante. Das coisas que existiram e que nunca vi, das coisas que ainda vão existir e eu nunca ou ver. Mas em meio a esse choque existencial, veio um barulho na água.Uma agitação no rio e vara de pescar do garoto. Ele imediatamente ficou de pé e o seu sorriso de satisfação acompanhou o seu puxão que trouxe um peixe para nossa vista.
Ele deixou o peixe entre algumas pedras na beira do rio e me olhou de forma simples e sincera.
- O tempo deu a cada um de nós um pouco da sua idade. Eu acho que ele espera que façamos valer a pena, ter algum significado. Então eu acho que se você persiste naquilo que você almeja, não importa o tempo que dure, ele ficará orgulhoso da gente e fará nossas ações e palavras ecoarem pelo resto da sua jornada, mesmo quanto não estivermos mais aqui. Afinal, mesmo depois de todos os horrores que a humanidade causou, ele ainda acredita na gente.
O garoto então embrulhou o peixe em algumas folhas e se despediu com um aceno de cabeça. Pouco depois sumiu entre as árvores. E eu fiquei ali, na beira daquele rio, observando os primeiros pontos brilhantes surgirem no céu tão infinito quanto o tempo.