Lembranças
Meus tempos de infância! Lá se vão uns cinquenta e poucos anos ou talvez um pouco mais. minha família numerosa, a pobreza nos acompanhava, não que passássemos fome, mas muitas privações sim. Lembro que um dia minhas duas irmãs maiores, uma delas me disse:
---- Lourenço, a mamãe está trabalhando na igreja (minha mãe era uma catequista nata) e o papai vai demorar pra chegar, nós vamos fritar uns bolinhos, presta atenção, dá pra ver de longe quando o papai está chegando, nos avise porque nem ele nem a mamãe gostam que fritemos bolinhos porque gasta muita gordura. Presta atenção, moleque, qualquer coisa nos dê um sinal.
Brincadeira vai, brincadeira vem, eu nada de lembrar da ordem, fiquei firme nas minhas peraltices. De repente um barulho no portão. Aí que me dei conta que meu pai estava entrando no portão, lógico que em poucos segundos entraria e veria minhas irmãs fritando os saborosos bolinhos na racionada gordura.
Eu mais do que depressa disse:
---- Luiza, Elza, papai chegou!...
De fato o fraga foi no ato. Meu pai apenas deu seu sorriso maroto, mostrando que havia entendido tudo, mas nada de bronca. Há! Mas se fosse a minha mãe, a coisa seria diferente!...
Só que depois tive que aguentar uma bronca de uma de minhas irmãs, com semblante nada amigável foi me falando:
--- Seu porcaria! Depois que o papai havia chegado não precisava mais avisar!
São muitas lembranças... Lembro também que uma vez ainda na minha infância, lá em casa estava um fogareiro fervendo água em cima da mesa para fazer o café (nem sei se na época existia fogão a gás) eu na minha teimosia bradava aos sete ventos:
---- Quero tomar café. as minhas irmãs (aquelas citadas atrás) elas me diziam:
---- Espera, Lourenço, a água ainda não está fervendo.
Eu mais uma vez na minha eterna teimosia e com apenas algumas polegadas a mais do que a mesa, puxei a chaleira pra conferir. Nossa!!! A água já estava em ebulição derramou toda na minha barriga. Foi um sufoco... Minha mãe não estava em casa.
Onde ela estava? Só sei que estava na igreja, ou dando aula de catecismo ou outros trabalhos sociais que ela gostava tanto de fazer.
Lembro muito bem das explicações que minhas irmãs davam pra minha mãe:
---- Mãe, o Lourenço estava fazendo birra, a senhora sabe como ele é.
A minha dor era lancinante, parecia que nunca acabaria mais, entretanto, sentia um certo conforto, pois minha mãe como uma fada transformada numa enfermeira excepcional cuidava de mim. Mas nada de hospital, não havia os privilégios dos dias de hoje de chamar o corpo de bombeiro ou uma ambulância hospitalar. Mas em contrapartida havia um médico maravilhoso que quando era chamado atendia quase que imediatamente em casa. Destes médicos que até mesmo quando o paciente não tinha dinheiro para pagar, ele tirava de seu bolso para a compra dos remédios. (Saudoso Dr. Emílio)
Depois ficou tudo resolvido, mas minha barriga levou muito tempo para ter sua cor original.
LEMBRANÇAS, E QUANTAS!...