Glória, uma mulher
Luiz Celso de Matos
Submersa na banheira da depressão, apelava para suas últimas disposições de força, para mexer as pálpebras. Odiava seu estado letárgico e sua impotência em reagir o mínimo que fosse.
— Antes a morte — dizia para si mesma com forte dose de auto-piedade.
Glória, 38 anos, vivia só. Destacava-se em seu meio social, pelo dinamismo e garra profissional. Buscava e obtinha na maioria das vezes, o resultado favorável. Rotineiramente, acordava às 6 horas da manhã, partia para meia hora de esteira, junto à janela de seu quarto, com vistas a um bem cuidado jardim. Banho tomado preparava um farto café da manhã; frutas e yogurtes, sempre presentes. No caminho de sua casa ao escritório de sua empresa, ouvia, normalmente, as rádios de notícias. Ao chegar a sua sala, ligava imediatamente o computador, e obtinha todas as informações desejadas: bolsa de valores, câmbios e uma passagem rápida nas redes sociais. Sua secretária a conhecia como ninguém. Tinha ordens expressas de repassar somente ligações de caráter estritamente profissional. Conhecia pela voz, todas as amigas de Glória, essas, quando telefonavam, recebiam a informação que tão logo fosse possível, a chefe daria um retorno.
Pontualmente às 12 horas, Glória, á pé, dirigia-se a um shopping próximo e fazia uma frugal refeição. Sempre só. Abusava um pouco da dieta quando a comida escolhida era estilo oriental. Destarte, possuía medidas definidas e gozava de ótima saúde.
Após o expediente, retornava as ligações das amigas. Inevitavelmente, convites para um happy hour. Normalmente saia entediada desses encontros, com suas amigas ricas, pela frivolidade das conversas. Conhecera essas moças devido às negociações que tivera com os pais delas. Glória vinha de uma família modesta. Hoje estava rica, graças ao fruto de seu trabalho.
Os finais de semana de Glória eram sempre marcados pela aquisição de um clássico, que seria ouvido, normalmente, ao lado de sua piscina em forma de taça. Assim, o belo bronzeado ficava assegurado, nas manhãs ensolaradas.
Chopin era sua paixão. Ao ouvir as obras musicais preferidas, seu rosto sofria uma metamorfose. O eriçar dos pêlos de sua sensibilidade maior, a colocava entre os ouvintes diferenciados. Inebriava-se ao som dos acordes. Sabia captar como ninguém a mensagem musical do inspirado autor. Esse lado, obviamente, herdou de seu falecido pai; um virtuoso. Como sempre acontecia, após o término de cada seleção musical, sentia-se mentalmente desintoxicada. Ocorria então, instante de meditação com singular acuidade. Revisava sempre a semana anterior. Suas tarefas, seus relacionamentos, o crescimento ou não, de todas as suas atividades, profissionais e sociais.
A dor que sentia hoje, o tremor interno, o total desinteresse pelo segundo seguinte, mostrava-lhe claramente que a semana anterior, fora um desastre. A pessoa que ela amava secreta e intensamente fora lhe contar que noivara. Foi o caos. Não conseguiu segurar as lágrimas. Desculpou-se e afirmou que se emocionara com a feliz notícia. Farsa ignóbil. Pretendia neste final de ano, abrir seu coração, falar de sua paixão. Acabar com esse segredo. Ganhara muitos dólares com exportações. Estava realizada financeiramente. Duas passagens aéreas, para Veneza e Grécia, já haviam sido compradas. Sabia que essa pessoa era pobre. Mas hoje ela poderia tranquilamente sustentar uma relação. Após ter recebido essa trágica notícia, pediu licença ao seu grande amor, pediu para ficar só, pois queria dar um telefonema sigiloso. Ligou para a concessionária BMW, cancelou o pedido do tão sonhado veículo esportivo que daria para a pessoa amada no Natal. Dia seguinte, com o coração dilacerado, arrumou uma desculpa qualquer e despediu sua secretária. O único amor de sua vida.
19/12/2013 quinta-feira, 19 de dezembro de 2013